31 julho 2012

Chomolungma

Thomaz Brandolin

Existem no mundo muitas montanhas mais bonitas e mais difíceis de serem escaladas que o Everest, mas o fato de ser a mais alta do mundo inevitavelmente provoca uma irresistível atração. Nenhuma grande montanha recebeu tantas expedições, foi tão documentada e mereceu tantos livros quanto o Everest.

O monte só foi descoberto pelos ocidentais em 1852, durante um trabalho de topografia feito na Índia pelos ingleses. Naquele ano, após várias triangulações, descobriu-se que o então denominado Pico XV era o mais alto do mundo. Sua altitude foi estimada na época em 8.840 metros, e somente um século mais tarde ela foi ajustada para 8.848 metros.

O nome Everest é uma homenagem a Sir George Everest, que foi Diretor de Topografia da Índia, mas os tibetanos o conhecem há séculos por Chomolungma (Deusa Mãe do Mundo) e os nepaleses o chamam de Sagarmatha.

Geograficamente, o Everest está localizado no Mahalangur Himal, subseção Khumbu, formando a fronteira [Nepal-Tibete] ao longo do limite norte do Khumbu Himal. A latitude norte é 27º59’17’’ e a longitude leste 86º55’31’’. Ele tem o formato de uma pirâmide de três lados: as faces norte e leste no [Tibete], e a sudoeste no Nepal. Essas faces são unidas por três arestas: nordeste, oeste e sudeste. Descem de suas encostas quatro gigantescas geleiras: Khumbu, pelo lado nepalês; Kangshung, pela face leste; Rongbuk Oeste e Rongbuk Leste pela vertente norte. É próximo ao local onde essas duas últimas geleiras se encontram que as expedições que tentam subir pela face norte instalam seu campo-base.
[...]

Fonte: Brandolin, T. 1993. Everest: viagem à montanha abençoada. Porto Alegre, L&PM.

29 julho 2012

Après le combat

Carvalho Júnior

Quando, pela manhã, contemplo-te abatida,
Amortecido o olhar e a face descorada,
Imersa em languidez profunda, indefinida,
O lábio ressequido e a pálpebra azulada,

Relembro as impressões da noite consumida
Na lúbrica expansão, na febre alucinada
Do gozo sensual, frenético, homicida,
Como a lâmina aguda e fria de uma espada.

E ao ver em derredor o grande desalinho
Das roupas pelo chão, dos móveis no caminho,
E o boudoir enfim do caos – fiel plágio,

Suponho-me um herói da velha antiguidade,
Um marinheiro audaz após a tempestade,
Tendo por pedestal os restos dum naufrágio!

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 4. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1879.

27 julho 2012

Canoa azul


Mary Agnes Yerkes (1886-1989). Blue boat. C. 1920.

Fonte da foto: Wikipedia.

25 julho 2012

A tragédia dos comuns

G. Tyler Miller Jr. & Scott E. Spoolman

Existem três tipos de direitos de propriedade ou de recurso. Um é a propriedade privada, segundo o qual indivíduos ou empresa detêm os direitos da terra, minérios ou outros recursos. Outro, a propriedade comum, pelo qual os direitos de determinados recursos são detidos por grandes grupos de indivíduos; por exemplo, aproximadamente um terço do território dos Estados Unidos é de propriedade conjunta de todos os seus cidadãos, mantido e gerido, para eles, pelo governo.

A terceira categoria consiste em recursos renováveis de livre acesso, de propriedade de ninguém e disponível para o uso por qualquer pessoa, com pouco ou nenhum custo. Exemplos de tais recursos renováveis e compartilhados incluem a atmosfera, as reservas de água subterrâneas e o alto mar e sua vida marinha.

Muitos recursos renováveis de propriedade comum e de livre acesso têm sido degradados. Em 1968, o biólogo Garrett Hardin (1915-2003) chamou tal degradação de tragédia dos comuns. Isso ocorre porque cada um dos seus usuários pensa: “Se eu não usar esse recurso, outro o fará. O pouco que eu usar ou poluir não fará diferença, e, de qualquer maneira, é um recurso renovável”.

Quando o número de usuários é pequeno, essa lógica funciona. Com o tempo, porém, o efeito cumulativo de muitas pessoas tentando explorar um recurso compartilhado pode degradá-lo e eventualmente extingui-lo ou destruí-lo. Então, ninguém mais poderá beneficiar-se dele. Tal degradação ameaça nossa capacidade de garantir a sustentabilidade a longo prazo em termos econômicos e ambientais dos recursos de livre acesso, como a atmosfera ou as espécies de peixes no oceano.
[...]

Fonte: Miller, G. T., Jr. & Spoolman, S. E. 2012. Ecologia e sustentabilidade, 6ª edição. SP, Cengage.

23 julho 2012

Trânsito

Lucia Fonseca

Vim para morrer. Trouxe comigo
os panos de linho claro. Na mão fechada, um lenço
e o gesto do recém-nascido.
Ao pescoço,
sete voltas de cordão. Medalha.

Quem disse que trouxe nos olhos abertos
lendas de antigas infâncias?
Quem disse que, das mãos, escapou-me a ânfora
lançando ao chão, entre cacos, o vinho?
Vim para morrer tão simplesmente
como caem as folhas e se apagam as cigarras
ao final de um ciclo.
Decerto o que tinha que cumprir, cumpri.
Embora esperasse tão mais.
(Somos sempre uns príncipes em pensamento.)

Ainda as vísceras se esforçarão em seu inocente exercício.
Ainda o pulso latejará por obrigação de mais um dia.
O Sol pousará no horizonte. Pela janela ainda verei a Lua
nascer dourada do mar.
Então partirei, madrugada.

Deixo – infelizmente –
o quarto desarrumado,
a cama desfeita,
os papéis em desordem.

Fonte: poema publicado no livro Cantares (2007, Editora da Palavra) e republicado aqui com o devido consentimento da autora, a quem agradeço pela cortesia.

21 julho 2012

Acalanto


Nana nana.
Nana, dorme o adulto
E a criança dorme.
Ao largo, ferido de morte, naufraga
O navio enorme.

Nana nana.
Batalhem os povos
E morram: não faz diferença.
A sombra do berço desenha uma imensa
Gaiola no muro.

Nana nana.
Breve a guerra acaba.
Solta esse brinquedo
Bobo, e apanha a lua,
Que é melhor brinquedo.

Nana nana.
Se acaso disserem
Que não tens juízo,
Não dês importância:
Sorri o teu sorriso.

Nana nana.
Nana, dorme o adulto
E a criança dorme.
Ao largo, ferido de morte, naufraga
O navio enorme.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. O poema original – intitulado “Songs for a colored singer” – foi publicado em livro em 1946 e é composto de quatro cantos; o trecho acima corresponde ao terceiro.

19 julho 2012

Chão de dezembro

Lina Tâmega Peixoto

Dentro de casa, esteios de remanso e pedaços da noite
escoram a cama onde me deito
estendida como um fardo pregueado de ossos.
Lá fora, a desolação amontoada no chão de dezembro
finge ser acréscimo do sol.

O coração desconsoladíssimo
se faz mais bem florido com o vazio
do que alegre em fartura por ter nascido.
A brisa enegrecida recolhe sobras de nomes
que pronuncio na misericórdia de mim.
Tudo são começos e fins
do mesmo selado ponto de partida.

A solidão guarda-me por compaixão
das miragens que crepitam nos festins da vida.
É por amor que ela é visível como corpo
e vive como água, semeada em riachos rasos
e seca em ondas profundas.

Fonte: poema publicado no livro Prefácio de vida (2010, Editora da Palavra) e republicado aqui com o devido consentimento da autora, a quem agradeço pela cortesia.

17 julho 2012

A artista e seu modelo


Louise Catherine Breslau (1856-1927). L’artiste et son modèle. 1921.

Fonte da foto: The Athenaeum.

15 julho 2012

Biogeografia

C. Barry Cox & Peter D. Moore

[Prefácio]
Os padrões em biogeografia são o resultado das interações entre duas grandes forças no nosso planeta: a evolução biológica e a tectônica de placas. Para interpretá-las, precisamos entender muitas áreas distintas das ciências: evolução, taxonomia, ecologia, geologia, paleontologia e climatologia. Embora cada área tenha sua contribuição individual, um livro-texto como este tem [de] ser abrangente, sendo acessível para estudantes das mais variadas formações. Isto é particularmente necessário hoje em dia, quando o advento de métodos moleculares, cada vez mais usados para demonstrar as relações entre as espécies, e as técnicas cladísticas de impor padrões sobre os dados resultantes prometem revolucionar nosso entendimento sobre a biogeografia.

Muitas mudanças ocorreram nos estudos biogeográficos nos últimos 32 anos, e nesse período foram feitas sete edições deste livro-texto. Nos idos de 1973, o grande problema era que a relação da nossa espécie com a biota e com o clima do nosso planeta era pouco considerada. Assim, o efeito estufa era mais uma questão para os agricultores do que uma preocupação de todo o planeta.

Apenas depois da década de 1980 aumentaram as evidências de que o clima na Terra estava mudando, e ficou cada vez mais evidente que isto estava acontecendo em conseqüência da atividade humana. Isto acabou levando a um grande debate público e ao envolvimento da comunidade científica. Ao interpretar as interações entre os fenômenos físicos e a vida das espécies, e o impacto humano em cada uma delas, a biogeografia tem, nitidamente, o papel de investigar os prováveis resultados das mudanças climáticas, sugerindo a melhor maneira de reduzir seus efeitos. Uma vez que as mudanças climáticas tornam menos férteis antigas áreas cultiváveis, seria possível encontrar novas áreas para substituí-las – e, se for o caso, onde? Ou poderíamos ter novas variedades de plantas, adaptadas às novas condições – nesse caso, onde poderíamos encontrá-las? Estas questões são provavelmente as razões para o grande aumento do número de pesquisas em biogeografia durante os anos 1990.  
[...]

Fonte: Cox, C. B. & Moore, P. D. 2009 [2005]. Biogeografia: uma abordagem ecológica e evolucionária, 7ª edição. RJ, LTC.

13 julho 2012

Condição humana

Helena Ortiz

visto preto e meu marido
está vivo

sou seu lençol
mãe de seu filho ausente

lavo seus colarinhos
não dormimos juntos

juntos
só colocamos

sal nas feridas

Fonte: poema publicado no livro Sol sobre dilúvio (2005, Editora da Palavra) e republicado aqui com o devido consentimento da autora, a quem agradeço pela cortesia.

12 julho 2012

Sessenta e nove meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quinta-feira, 12/7, o Poesia contra a guerra completa cinco anos e nove meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 175.175 visitas foram registradas ao longo desse período.

Desde o balanço mensal anterior – Sessenta e oito meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Carl Rogers, Eric D. Schneider, Harry F. Harlow, James J. Kay, Jostein Gaarder, Márcia Cavendish Wanderley e Santa Rita Durão. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Frank Weston Benson, Marie Bashkirtseff e T. C. Steele.

10 julho 2012

A idade do entendimento

Márcia Cavendish Wanderley

A que vem a vida?

Somos fisgados, logo de chofre
Com velhas iscas ardidas e salgadas
Que nos parecem suaves e doces

Sofremos presos
Para sofrer mais ainda se escapamos
Quanto mais presos pelas guelras
mais gozamos
Neste banquete exaurido
Sempre novo
A cada recém-chegado

Fonte: poema inédito publicado aqui com o devido consentimento da autora, a quem agradeço pela cortesia. MCW é viúva de Jorge Wanderley.

08 julho 2012

Despedida de Mira-Celi


Adeus, ó dias e noites planetários,
adeus, ó minha infância, minha adolescência, minha vida de faces cuspidas e beijadas.
Adeus, carne poluída por tantas cumplicidades noturnas,
adeus, pactos, mulheres fugaces, amores fugaces,
adeus, febres povoadas de vencidos a sonharem com o domínio do mundo,
adeus, aventuras animadas de marujos mendigos
a sonhar com veleiros que nunca chegaram a seus portos;
adeus, gestos interrompidos, palavras entrecortadas, apelos incompreendidos,
adeus, todas as máscaras, todas as desistências
e todas as realizações sempre aparentes;
adeus, Mira-Celi, musas, sombras, símbolos,
adeus, mulheres que nunca se completaram,
faces dispersas entre as faces distantes e incompreendidas;
adeus!
Caminhei até os limites misteriosos da morte.
Revisto-me das vestes talares de seus impérios mágicos.
Uma força me impele para dentro de Deus.
Qual de tuas companheiras me aceitará como irmão, ó Mira-Celi?
Que asa do reinado de Cristo abrigará minhas angustiadas mãos?
Que onda da eternidade virá murmurar aos meus ouvidos?

Fonte: Lima, J. 1997. Jorge de Lima: poesia, 5ª edição. RJ, Agir. Poema publicado em livro em 1950.

06 julho 2012

Garota ao piano


T. [Theodore] C. [Clement] Steele (1847-1926). Girl at the piano. 1893.

Fonte da foto: The Athenaeum.

04 julho 2012

Ordem a partir da desordem

Eric D. Schneider & James J. Kay

[Introdução]
Em meados do século 19 surgiram duas teorias científicas importantes sobre a evolução de sistemas naturais no tempo. A termodinâmica refinada por Boltzmann via a natureza como degenerando em direção à morte inevitável da desordem aleatória, de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica. Esta visão de sistemas naturais pessimista e ávida por equilíbrio contrasta com o paradigma, associado a Darwin, da crescente complexidade, especialização e organização de sistemas biológicos através do tempo. A fenomenologia de muitos sistemas naturais mostra que grande parte do mundo é habitada por estruturas coerentes que não estão em equilíbrio, como células de convecção, reações químicas autocatalíticas e apropria vida. Os sistemas vivos mostram uma marcha que se afasta da desordem e do equilíbrio em direção a estruturas altamente organizadas, as quais existem a uma certa distância do equilíbrio.

Esse dilema motivou Erwin Schrödinger. No seu fértil livro O que é vida? (Schrödinger, 1944), ele tentou aproximar os processos fundamentais da biologia às ciências da física e da química. Schrödinger notou que a vida compreendia dois processos fundamentais: um sendo a ordem a partir da ordem e o outro a ordem a partir da desordem. Ele observou que o gene gerava a ordem da ordem em uma espécie, isto é, a progênie herdava as características dos pais. Uma década mais tarde, Watson & Crick (1953) presentearam a biologia com uma agenda de pesquisa que tem levado a algumas das descobertas mais importantes dos últimos 50 anos.

Entretanto, a igualmente importante porém menos compreendida observação de Schrödinger foi sua premissa sobre a ordem a partir da desordem. Essa foi uma tentativa de relacionar a biologia com os teoremas fundamentais da termodinâmica (Schneider, 1987). Schrödinger notou que os sistemas vivos parecem desafiar a Segunda Lei da Termodinâmica, a qual insiste que, em sistemas fechados, a entropia do sistema deveria ser maximizada. Os sistemas vivos, no entanto, são a antítese de tal desordem. Eles exibem maravilhosos níveis de ordem criada da desordem. Por exemplo, as plantas são estruturas altamente organizadas, sintetizadas a partir de átomos e moléculas desorganizadas presentes na forma de gases atmosféricos e sólidos.
[....]

Fonte: Schneider, E. D. & Kay, J. J. 1997. Ordem a partir da desordem: a termodinâmica da complexidade biológica. In Murphy, M. P. & O’Neill, L. A. J., orgs. “O que é vida?” 50 anos depois. SP, Editora da Unesp.

02 julho 2012

Meditação do Duque de Gandía sobre a morte de Isabel de Portugal


Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória a luz o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Fonte (em grande parte): Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1958.

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