18 abril 2007

Palavras

Mario Quintana

1.
Há palavras verdadeiramente mágicas. O que há de mais assustador nos monstros é a palavra “monstro”. Se eles se chamassem leques ou ventarolas, ou outro nome assim, todo arejado de vogais, quase tudo se perderia do fascinante horror de Frankenstein...

2.
Mas há palavras infelizes. Umbigo, por exemplo. Um dia Álvaro Moreyra me disse que umbigo era a palavra mais engraçada da língua portuguesa. Engraçada, não! Triste é que é. Por culpa sua, como jamais poderemos cantar o umbigo da bem-amada? Eis aí um encanto para sempre oculto...

3.
Em compensação, temos a palavra “voluptuosidade”, tão sinuosa, tão espreguiçada, tão ela mesmo... Por sinal que, como a suspeitasse de galicismo, propôs o clérigo Bluteau, já no século 18, substituí-la por “voluptade” – o que bem evidencia as castas virtudes de saudoso frade.

4.
E não sei ao certo quem era ela, nem o que ela fez, mas tenho a certeza de que Dona Urraca foi uma das princesas mais infelizes do mundo...

5.
A palavra volutabro merecia ter outro significado.

6.
E badulaques sempre me pareceu que fossem crótalos de bispo.

7.
Nem faltará algum leitor metido a profundo que me julgue à tona das coisas ao me ver tão ocupado com palavras. Escusado lembrar-lhe que a poesia é uma das artes plásticas e que o seu material são as palavras, as misteriosas palavras...

Fonte: Quintana, M. 2006. O caderno H, 2a edição. SP, Globo. Obra originalmente publicada em 1973.

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