27 janeiro 2008

A arrogância do humanismo

David Ehrenfeld

Vi-me esporadicamente dominado, neste últimos anos, por uma espécie muito singular de sentimento mas, no começo, não consegui dar-lhe um nome nem definir o que era que me inquietava, tampouco pude encontrar um padrão comum entre os episódios que suscitavam tal sentimento. Ela podia surgir – um misto de mágoa, ira e sensação de inutilidade – quando os meus alunos me diziam que estavam estudando para formar-se como “gerentes ambientais”. Esse mesmo sentimento surgia sempre que escutava pais discutindo a necessidade de controlar com medicamentos o comportamento de seus filhos “hipercinéticos”, ou quando lia a respeito de um plano melhorado “com apoio de computador”, graças ao qual o Departamento de Engenharia pretendia controlar as cheias ao longo do rio que corre nos fundos da minha casa. E o sentimento repetiu-se quando, durante um jantar, um estudante finalista de Economia explicou-me em detalhes como as forças do mercado, funcionando de acordo com as leis da oferta e da demanda, garantem que nunca destruiremos mais de nossas férteis terras de lavoura do que nós podemos perder.

Quando as ocasiões para esse sentimento se tornaram cada vez mais freqüentes e compreendi finalmente qual era a ligação óbvia entre os eventos que o causavam; quando vi como a nossa incondicional fé humanística em nossa própria onipotência fornece uma explicação comum para tantas coisas aparentemente diferentes que estão nos acontecendo; quando percebi as terríveis implicações da grande, cada vez maior, discrepância entre a fé na razão e no poder humano que impregna o mundo e a realidade viva da condição humana, então escrevi este livro.
[...]

Fonte: Ehrenfeld, D. 1992 [1981]. A arrogância do humanismo. RJ, Campus.

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