A minha lira
Gonçalves de Magalhães
Quando o sol era o meu astro,
E a minha mente inspirava,
No enlevo do estro inflamado
Alegre a lira eu vibrava.
Co’a Grécia, e Roma sonhando,
Colhendo flores da história,
À minha Pátria querida
Hinos tecia de glória.
No fogo da mocidade,
Nessa estação da alegria,
Cantava gratas mentiras,
Amores qu’eu não sentia.
Às vezes também chorava;
E tu, oh lira pressaga,
Já teu destino previas,
E o pranto que ora te alaga.
Qual na rosa que emurchece
Seca o orvalho que a aljofrava,
Assim secou-se em meus lábios
O riso que os enfeitava.
Minha voz enrouqueceu-se,
Meu coração enlutou-se,
E o astro que me aclarava
Em densa treva nublou-se.
Antes que o sopro do tempo
Murchasse a flor de meu rosto,
A palidez já o tinge,
Causada pelo desgosto.
A folha na primavera,
Se pelo inseto é roída,
Assim perde o verde esmalte,
Assim murcha, e cai sem vida.
Deixei a prezada Pátria,
Deixei a mãe carinhosa;
Perdeu então minha lira
Sua voz harmoniosa.
Ao som das vagas do Oceano
Foi minha lira aprendendo
A suspirar quando choro,
A ir comigo gemendo.
Companheira de meu fado,
Pelo mundo vagueando,
Juntos os Alpes subimos,
Estranhas terras pisando.
Nos Alpes, como n’um trono
Que me alçava além do mundo,
A glória do Onipotente
Entoei venerabundo.
Entre góticas pilastras,
Arroubado no infinito,
Cantei a vida futura,
Consolo de um peito aflito.
Sentado sobre ruínas,
Achei um eco na lira;
E sobre o nada da vida,
Deu-me sons qu’eu nunca ouvira.
Entre campas, e ciprestes,
Sozinho n’um cemitério,
Chorando a sorte de um vate,
Na lira achei refrigério.
Solitário entre os viventes,
Do mundo desconhecido,
Como a planta errante d’água
Apenas tenho vivido.
A glória, esperança vária,
Sonho falaz do acordado,
Febre que os Gênios inspira,
Só me não tem inspirado.
Amiga melancolia,
Consumidora saudade,
Vós envolveis os meus dias
Desta triste suavidade.
Em cada estação ostenta
Diverso aspecto a Natura;
Ora de cristais se adorna,
Ora de fresca verdura.
As aves também renovam
Seu canto co’a Natureza;
Tudo muda, só minha alma
Conserva sua tristeza.
Único bem qu’eu possuo,
Oh minha estimada lira,
Companheira de infortúnios.
Comigo chora, e suspira.
Fonte (versos 42-44): Ferreira, A. B. H. 2009. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 4ª ed. Curitiba, Positivo. Poema publicado em livro em 1836.
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