Contra o que estamos a lutar?
Felipe A. P. L. Costa [*]
Em artigos anteriores, chamei a atenção do leitor para alguns padrões numéricos envolvendo a disseminação da Covid-19 [1].
Mais especificamente, chamei a atenção para a tendência declinante (tanto em âmbito mundial como nacional) que observei no que estou a chamar de taxa de crescimento no número de casos da Covid-19 – ou, alternativamente, no número de indivíduos infectados com o SARS-CoV-2 [2].
Tenho acompanhando as estatísticas da Covid-19 por meio de dois painéis, um da Universidade Johns Hopkins e o outro do sítio eletrônico Worldometer [3]. Ontem (23), no entanto, descobri que os números relativos ao Brasil não são cem por cento concordantes com os números divulgados pelo governo brasileiro. Decidi de pronto refazer as minhas análises. Capturei os números divulgados pelo Ministério da Saúde (aqui). Ajustei a base de dados que estou a utilizar e refiz as contas.
E o que aconteceu?
Salvo melhor juízo, os resultados seguem a apontar na mesma direção e no mesmo sentido. Razão pela qual a minha conclusão geral a respeito do comportamento da pandemia permanece de pé: a taxa de crescimento diário no número de casos segue declinando, tanto em âmbito mundial como em âmbito nacional.
Todavia, persiste uma diferente importante: as duas taxas (mundial e nacional) estão em patamares distintos, como se pode constatar examinando a figura que acompanha este artigo.
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FIGURA. A figura que acompanha este artigo ilustra o comportamento da taxa de crescimento no número de casos da Covid-19 (eixo vertical; expressa em percentual), entre 21/3 e 23/4, tanto em âmbito nacional (pontos em preto) como mundial (pontos em azul). Na análise em âmbito nacional, tendei reduzir o ruído presente nos números diários divulgados pelo ministério. (Há muita oscilação de um dia para o outro, seja em decorrência de desarranjo metodológico, inércia, manipulação deliberada etc.) Para contornar o problema, eu calculei uma média semanal na taxa de crescimento (pontos em vermelho). E comparei os resultados dessa análise (reta tracejada vermelha) com os resultados da análise dos dados mundiais (reta tracejada azul). Os dois conjuntos de pontos estão distribuídos de modo claramente declinante, embora a variação na taxa brasileira ocorra em um patamar nitidamente superior.
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Em escala planetária, a taxa de crescimento no número de novos casos está abaixo de 4% desde o dia 18/4. (E abaixo de 5% desde 12/4.) Em escala nacional, o valor é mais alto e há muita oscilação de um dia para o outro (em decorrência de desarranjos metodológicos, inércia etc.), como eu mencionei antes. Levando em conta as médias semanais, a taxa brasileira estaria hoje entre 7 e 8%, com uma tendência de queda.
Mas não nos iludamos.
Se o distanciamento social (a rigor, trata-se de distanciamento espacial) é a arma com a qual estamos a vencer a luta, o abandono ou o relaxamento precoce das medidas, sobretudo no contexto em que vivemos hoje (autoridades federais descomprometidas, falta de testes em massa, subnotificações etc.), seguramente irá reverter e agravar em muito a situação.
É contra isso que devemos seguir lutando.
Não custa lembrar: todos os países que evitaram ou protelaram a adoção do distanciamento social estão hoje a pagar um preço amargo pela sua inércia (ver aqui).
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Notas
[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.
[1] Dois artigos tratavam do comportamento da pandemia em escala mundial e dois, do comportamento em escala nacional. Em escala mundial: ‘Covid 19: Evidências iniciais de que a pandemia está arrefecendo’ (2/4) e ‘Covid-19 – Nós batemos no teto?’ (7/4). Em escala nacional: ‘Covid-19 – No ritmo atual, o país terá entre 6,5 mil e 21 mil mortes até o fim de abril’ (12/4) e ‘Covid-19 – Ajustando e renovando o alerta para 30/4’ (17/4).
[2] Em artigos anteriores, esta taxa foi definida como β = ln [Y(t + 1) / Y(t)], onde Y(t + 1) é o número de indivíduos infectados no dia (t + 1), Y(t) é o número de infectados no dia anterior, e ln indica logaritmo natural. Para exemplos de como usar a fórmula, ver o artigo ‘Covid-19 – O mundo, o país e a atropelada russa’. Sobre padrões de crescimento numérico, ver as duas primeiras partes do artigo ‘Corpos, gentes, epidemias e... dívidas’ (aqui e aqui).
[3] Os dois painéis podem ser vistos aqui: ‘Mapping 2019-nCov’ (Johns Hopkins University, EUA) e ‘Worldometer: Coronavirus’ (Dadax, EUA). A computação que estou a fazer leva em conta os dados divulgados no início da madrugada (horário de Brasília).
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