Tornamos a empacar?
Felipe A. P. L. Costa [*]
O Ministério da Saúde acaba de divulgar as estatísticas de hoje (26): 46.860 casos e 990 mortes. No cômputo geral, já seriam 1.274.974 casos e 55.961 mortes.
A escalada nas estatísticas ao longo desta semana mostra como foram precipitadas as medidas de afrouxamento adotadas pelos governantes nas duas semanas anteriores (8-21/6). No ritmo atual, parece inevitável que o número de casos chegue bem perto de 1,5 milhão até o dia 30/6, como eu havia estimado (de modo otimista) no início do mês (ver artigo ‘O país irá contabilizar entre 1,5 milhão e 2,2 milhões de casos até o fim de junho’).
O que há por trás dessa escalada?
No âmbito deste artigo, a resposta à pergunta acima é mais ou menos óbvia: a taxa de crescimento no número de novos casos.
Mas o que foi que houve? O que houve foi que a média semanal da taxa de crescimento, cujo valor já poderia estar próximo ou até abaixo de 1% [1], parou de declinar e estagnou. O que nos permite imaginar que a próxima semana será igual ou ainda pior que a atual [2].
Relembrando.
Em 31/5, após sete semanas chafurdando entre 6% e 8% (ver a figura que ilustra este artigo), eis que a média semanal caiu para 5,1% (25-31/5), o menor valor até então.
Daí por diante, a média seguiu declinando, ainda que na semana passada tenha emitido sinais de que poderia encalhar de novo. Vejamos os resultados: caiu de 4,3% (1-7/6) para 3,3% (8-14/6) e daí para 3,2% (15-21/6). A média da semana em curso (a ser computada no domingo, 28) deverá ficar entre 3% e 3,2%.
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FIGURA. A figura que ilustra este artigo mostra a variação na taxa de crescimento diário no número de novos casos da Covid-19 na população brasileira (eixo vertical; β expresso em porcentagem), entre 21/3 e hoje (26/6). Doze agregados de pontos podem ser identificados (A-L) e um 13º (M) ainda está em formação (para detalhes, ver nota 1). As setas estariam a representar algo como a direção e o sentido da força dominante dentro de cada agregado: setas pretas empurram para baixo e as vermelhas, para cima. (A ausência de seta indica a falta de uma direção definida.) A linha tracejada representa algo como a trajetória média de todos os pontos. (Em termos de análise estatística, basta dizer que os resultados são significativos.) Em vermelho escuro, os resultados de março; em rosa claro, os de abril; em azul claro, os de maio; em marro claro, os de junho; os quadrados em azul escuro correspondem a domingos. O gráfico menor no canto superior direito ilustra a variação no tempo de duplicação (TD) no número de casos, ao longo do mesmo intervalo de tempo do gráfico maior. (O eixo vertical indica o valor de TD, em dias.) Os valores extremos da série foram 3,1 (31/3) e 42,7 (21/6), indicando que (a) mantido o valor de β obtido para 31/3, seriam necessários 3,1 dias para dobrar o número de casos; e (b) mantido o valor de 21/6, seriam necessários 42,7 dias para dobrar o número de casos. Em meio a sucessivas oscilações, é possível notar uma lenta escalada da curva.
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Ouso dizer que nós estamos empacados. De novo.
E repito aqui o que escrevi em artigo anterior – Que os governantes atentem para o seguinte: assim como era possível que a nossa média semanal já estivesse em um patamar próximo a 1% (ver aqui), com um número bem inferior de casos e, por extensão, de mortes, é perfeitamente possível permanecer em banho-maria até dezembro.
Trocando em miúdos, é perfeitamente possível arrastar e aprofundar o sofrimento da população até dezembro. Até lá, não custa lembrar, não haverá qualquer recuperação econômica duradoura. Apenas pilhagens e algumas golfadas.
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Notas.
[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.
[1] Monitorando a pandemia. Para avaliar a disseminação da Covid-19 (em qualquer escala geográfica – mundial, nacional ou estadual), sigo calculando uma taxa de crescimento diário no número de novos casos (i.e., no número de indivíduos infectados com o SARS-CoV-2). Esta taxa (simbolizada aqui pela letra grega minúscula β) tem sido definida como β = ln {Y(t+1) / Y(t)}, onde Y(t+1) é o número de casos no dia (t+1), Y(t) é o número de casos no dia anterior, e ln indica logaritmo natural.
A taxa de crescimento não é uma constante, de sorte que o valor de β pode oscilar de um dia para o outro. Se a oscilação é de cima para baixo, dizemos que o parâmetro declinou; se é de baixo para cima, dizemos que o parâmetro escalou. Caso não haja oscilação ou caso a oscilação seja inexpressiva, rotulamos momentaneamente o valor de estacionário. Para exemplos de como calcular o valor de β e o tempo de duplicação, ver a compilação A pandemia e a longa agonia de um país desgovernado.
Construindo um gráfico. Quando os valores de β são colocados em um gráfico (ver a figura que acompanha este artigo), 12 agregados de pontos (elipses A-I) podem ser identificados (e um 13º parece estar em formação), a saber:
(A) Entre 21 e 30/3, intervalo durante o qual a taxa de crescimento declinou desde β = 24,8% até β = 7,6% (houve um excepcional 37,1%, em 22/3, mas aí se trata de um ponto fora da curva);
(B) Entre 31/3 e 6/4, quando, após uma inesperada e significativa escalada (30-31/3), a taxa tornou a declinar, dessa vez desde β = 24,8% até β = 8,3%;
(C) Entre 7 e 14/4, quando, após uma segunda e significativa escalada (6-7/4), a taxa tornou a declinar uma terceira vez, desde β = 16,1% até β = 5,5%;
(D) Entre 15 e 21/4, quando, após uma terceira escalada (14-15/4), a taxa tornou a declinar uma quarta vez, variando desde β = 12,1% até β = 5%;
(E) Entre 22 e 30/4, intervalo durante o qual – pela primeira vez! – a taxa oscilou para cima, variando entre β = 5,8% e β = 10,4%;
(F) Entre 1 e 9/5, quando, após uma queda expressiva (30/4-1/5), a taxa tornou a oscilar para cima uma segunda vez, variando entre β = 4,9% e β = 9,2%;
(G) Entre 10 e 16/5, quando, após uma queda significativa (9-10/5), a taxa oscilou para cima uma terceira vez, agora variando entre β = 3,5% e β = 7,5%;
(H) Entre 17 e 22/5, quando, após mais uma queda significativa (16-17/5), a taxa oscilou para cima uma quarta vez, agora variando entre β = 3,4% e β = 7,3%;
(I) Entre 23 e 30/5, quando, após uma pequena queda (22-23/5), a taxa oscilou para cima uma quinta vez, variando entre β = 3,2% e β = 7,2%;
(J) Entre 31/5 e 6/6, quando, após uma queda bem expressiva (30-31/5), a taxa oscilou para cima uma sexta vez, agora variando entre β = 2,4% e β = 5,5%;
(K) Entre 7 e 13/6, quando, após uma pequena queda (6-7/6), a taxa variou (mas sem direção definida) entre β = 2,4% e β = 4,5%; e
(L) Entre 14 e 20/6, quando, após uma semana de aparente estagnação (7-13/6), a taxa tornou a oscilar para cima uma sétima vez, variando entre β = 2% e β = 5,6%.
[2] Os governantes precisam sinalizar de que lado eles estão. Ou eles estão ao lado da sociedade ou eles estão preocupados com os negócios. É inconcebível, por exemplo, que o governador de SP, em uma vã (e tola) tentativa de querer agradar a gregos e troianos, fique a anunciar – quase que diariamente – que vai relaxar esta ou aquela medida, abrir este ou aquele setor da economia. Cansa, desanima, desmobiliza. Ele já deveria saber: assentada a poeira da demagogia, a terra desolada que sobra é prontamente explorada por gaiatos ainda mais oportunistas. Dito de outro modo: o governador deveria parar de apertar a corda que ele próprio colocou em torno do pescoço.
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