14 agosto 2020

História para ninar Cassul-Buanga

 Nei Lopes


Um dia, Cassul-Buanga, alguns chegaram:

A pólvora no peito, uma bússola nos olhos

E as caras inóspitas vestidas de papel.


Vieram numa nau de velas caras,

Bordadas de cifrões.

Suas mãos eram de ferro

E falavam um dialeto

De medo e ignorância.


E fomos.

Amontoados, confundidos, fundidos, estupefatos

Nossas dignidades eram dadas mar atrás

Aos peixes.


Chegamos:

Nosso suor foi o doce sumo de suas canas

– nós bagaços.

Nosso sangue eram as gotas de seu café

– nós borras pretas.

Nossas carapinhas eram nuvens de algodão,

Brancas,

Como nossas negras dignidades

Dadas aos peixes.

Nossas mãos eram sua mão de obra.


Mas vivemos, Cassul. E cantamos um blue!

E na roda um samba

De roda

Dançamos.

Nossos corpos tensos

Nossos corpos densos

Venceram quase todas as competições.

Nossos poemas formaram um grande rio.

E amamos e nos demos.

E nos demos e amamos.

E de nós fez-se um mundo.


Hoje, Cassul, nossas mulheres

– os negros ventres de veludo –

Manufaturam, de paina, de faina

Os travesseiros

Onde nossos filhos,

Meninos como você, Cassul-Buanga,

Hão de sonhar um sonho tão bonito...

Porque Zâmbi mandou. E está escrito.


Fonte: Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema publicado em livro em 1996.

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