Após a anarquia de fim de ano, as taxas de crescimento mostram os primeiros sinais de queda
Felipe A. P. L. Costa [*].
I. Evitando armadilhas.
Na contracorrente da má-fé e dos malfeitos do Palácio do Planalto, eis que (finalmente) a campanha de vacinação contra a Covid-19 teve início ontem (17/1) – ver aqui.
É uma ótima notícia.
Mas devemos tomar cuidado com as armadilhas mentais que cercam a campanha. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).
Decorre daí o seguinte: os números de novos casos e de mortes seguirão aumentando. A questão que de fato importa neste momento seria a seguinte: Em que ritmo esses números irão crescer?
É uma questão de saúde pública. Afinal, o ritmo de crescimento pode ser controlado. Não pela campanha de vacinação, cujos efeitos só começarão a aparecer nas estatísticas daqui a alguns meses, mas pelo comportamento social. Veja: Se nós relaxamos ou abandonamos as medidas de proteção (e.g., como fez o novo prefeito de Porto Alegre, assim que tomou posse), em uma ou duas semanas os frutos estarão maduros e inevitavelmente serão colhidos.
A carnificina ainda em curso em Manaus, por exemplo, não é fruto de uma nova e mais contagiosa linhagem do Sars-CoV-2 [1]. O que está a ocorrer na capital amazonense – pela segunda vez! [2] – é, em linhas gerais, fruto de dois fatores: (1) desencontros administrativos (em múltiplos níveis: federal, estadual e municipal); e (2) traços de anarquia social que são promovidos por um regime econômico míope e, ao que tudo indica, autodestrutivo.
De resto, veja o que ocorreu em escala nacional após a balbúrdia de fim de ano (ver a figura que acompanha este artigo). Quanta gente foi às ruas para comprar bugigangas e tomar refrigerantes e, na volta para casa, levou consigo mais do que pretendia? Estou a falar de uma carga invisível, mas significativa, de um vírus altamente contagioso. E que pode ser fatal.
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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6 e 17/1. (Valores acima de 2% não são mostrados.) Note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo a partir do início de novembro. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias.
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II. Um balanço da semana que passou.
Ainda ontem, de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 33.040 casos e 551 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 8.488.099 casos e 209.847 mortes.
Em número de casos, a semana encerrada ontem (11-17/1) foi a pior desde o início da pandemia – o que não foi nenhuma surpresa (ver o artigo Como e por que o pior ainda está por vir).
Semana passada, foram computados 382.309 casos – 10.265 casos a mais que na semana anterior. O número de mortes ainda foi inaceitavelmente elevado (6.747), mas a média diária, ao contrário do que ocorreu na semana anterior, ficou abaixo de 1 mil óbitos/dia [3].
III. Taxas de crescimento.
Em termos de monitoramento, porém, as estatísticas brutas pouco ou nada nos dizem sobre os rumos que as coisas estão a tomar. Para tanto, nós devemos investigar o comportamento de parâmetros que nos deem pistas sobre a dinâmica da epidemia, como as taxas de crescimento no número de casos e de mortes [4].
Vejamos, então.
Em comparação com as médias da semana anterior, as médias da semana passada (11-17/1) ficaram em patamares ligeiramente inferiores (ver a figura que acompanha este artigo).
A taxa de crescimento no número de novos casos caiu de 0,67% (4-10/1) para 0,66% (11-17/1), enquanto a taxa de crescimento no número de mortes caiu de 0,51% (4-10/1) para 0,47% (11-17/1) [5, 6].
IV. Coda.
As quedas referidas acima foram pequenas, não há dúvida, mas podemos ao menos dizer que as taxas pararam de subir. Resultado que não deixa de ser alentador.
Afinal, a depender da manutenção de medidas de distanciamento social, devemos passar a observar quedas (e não mais escaladas) nas estatísticas. Tanto nesta semana como nas semanas vindouras.
De resto, que as autoridades sanitárias (federais, estaduais e municipais) façam o seu trabalho e que a campanha de vacinação enfim decole.
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Notas.
[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.
[1] Desde que a pandemia teve início, em dezembro de 2019, surgiram em todo o mundo um sem número de linhagens locais do Sars-CoV-2, a maioria das quais já desapareceu. Mas não desapareceram como resultado de intervenções humanas, e sim em decorrência de processos naturais – e.g., extinções locais provocadas por interações competitivas entre as próprias linhagens.
[2] Não custa lembrar que alguns técnicos cometeram a imprudência de afirmar que, após a carnificina promovida pela ‘primeira onda’, a população de Manaus poderia ter alcançado algum grau de imunidade de rebanho. Não foi o caso, obviamente. E é bom frisar que a imunidade de rebanho tampouco será alcançada após a ‘segunda onda’ ora em curso.
[3] Desde o início da pandemia, já foram registradas médias diárias acima de 1 mil óbitos/dia em nove semanas. Na pior semana de todas (20-26/7), foram computadas 7.516 mortes.
[4] Arrisco dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a imprensa brasileira (grande parte dela, ao menos) se dê conta de que está monitorando a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. De resto, trata-se de um parâmetro de fácil computação (ver a nota 6).
[5] Entre 25/10 e 17/1, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1) e 0,66% (11-17/1); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1) e 0,47% (11-17/1).
[6] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver qualquer um dos quatro volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui e aqui).
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