Ou descemos do vulcão ou cairemos lá dentro. Não há uma terceira via
Felipe A. P. L. Costa [*].
RESUMO. – Este artigo atualiza as estatísticas mundiais a respeito da pandemia da Covid-19 divulgadas em artigo anterior (aqui). No caso específico do Brasil, o artigo também atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes). Entre 14 e 20/6, essas taxas ficaram em 0,42% (casos) e 0,42% (mortes). Após quedas sucessivas (notadamente na taxa de mortes), batemos no piso e estamos estagnados (casos) ou tornamos a escalar (mortes). As projeções são igualmente ruins: estatísticas recordes são esperadas para esta semana. E o pior: a continuar no ritmo atual, estatísticas ainda mais assombrosas serão computadas nas semanas vindouras. Para muitos de nós, brasileiros, acompanhar a crise se tornou uma experiência passiva e algo surrealista – estamos de braços cruzados, a cochichar uns com os outros, como se estivéssemos a acompanhar uma novela ou um campeonato de futebol. A verdade, no entanto, é que estamos nos equilibrando na boca de um vulcão. (Foi para lá que o oportunismo econômico e a desfaçatez política nos empurraram.) Ou descemos imediatamente ou cairemos lá dentro. Não há uma terceira via.
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1. UM BALANÇO DA SITUAÇÃO MUNDIAL.
Levando em conta as estatísticas obtidas na manhã desta segunda-feira (21/6) [1], eis um balanço da situação mundial:
(A) Em números absolutos, os 20 países [2] mais afetados estão a concentrar 79% dos casos (de um total de 178.553.726) e 82% das mortes (de um total de 3.867.641) [3].
(B) Entre esses 20 países, a taxa de letalidade segue em 2,2%. A taxa brasileira segue em 2,8%. (Os outros três países da América do Sul que estão no topo da lista têm as seguintes taxas: Argentina, 2,1%, Colômbia, 2,5%, e Peru, 9,4%.)
(C) Nesses 20 países, 128,8 milhões de indivíduos receberam alta, o que corresponde a 91% dos casos. Em escala global, 163,9 milhões de indivíduos já receberam alta [4].
2. O RITMO ATUAL DA PANDEMIA NO PAÍS.
Ontem (20/6), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 44.178 casos e 1.025 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 17.927.928 casos e 501.825 mortes.
Em termos absolutos, ao compararmos com as estatísticas da semana anterior (7-13/6), os números de casos e de mortes aumentaram. E aumentaram de modo significativo.
Foram registrados 515.162 novos casos – um crescimento de mais de 10% em relação à semana anterior (465.704). Foi a 29ª semana com mais de 300 mil novos casos – 24 dessas semanas foram registradas em 2021.
Desgraçadamente, foram registradas 14.424 mortes – uma escalada de 3% em relação à semana anterior (13.997). Foi a 31ª semana com mais de 7 mil mortes – 23 dessas semanas foram registradas em 2021.
3. TAXAS DE CRESCIMENTO.
Os percentuais e os números absolutos referidos acima pouco ou nada dizem sobre o ritmo e o rumo da pandemia [5]. Para tanto, sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes.
Vejamos os resultados mais recentes.
Em comparação com os valores da semana anterior (7-13/6), as médias da semana passada (14-20/6) não recuaram (ver a figura que acompanha este artigo).
A taxa de crescimento no número de casos subiu de 0,39% (7-13/6) para 0,42% (14-20/6) [6].
Já a taxa de crescimento no número de mortes permaneceu estagnada em 0,42% (14-20/6) – após uma série de oito quedas sucessivas, foi a segunda semana de resultados ruins (ver a figura que acompanha este artigo) [6, 7].
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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6/2020 e 20/6/2021. (Valores acima de 2% não são mostrados.) As médias mais baixas das duas séries (casos e mortes) foram observadas entre 11/10 e 8/11, razão pela qual o período é referido aqui como o ‘melhor mês’. Logo em seguida, porém, note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias.
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4. CODA.
Após quedas sucessivas (notadamente na taxa de mortes), batemos no piso e estamos estagnados (casos) ou tornamos a escalar (mortes). As projeções são igualmente ruins: estatísticas recordes são esperadas para esta semana. E o pior: a continuar no ritmo atual, estatísticas ainda mais assombrosas serão computadas nas semanas vindouras.
Para muitos de nós, brasileiros, acompanhar a crise se tornou uma experiência passiva e algo surrealista – estamos de braços cruzados, a cochichar uns com os outros, como se estivéssemos a acompanhar uma novela ou um campeonato de futebol. A verdade, no entanto, é que estamos nos equilibrando na boca de um vulcão. (Foi para lá que o oportunismo econômico e a desfaçatez política nos empurraram.) Ou descemos imediatamente ou cairemos lá dentro. Não há uma terceira via.
Como escrevi em artigos anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) depende de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação [8].
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NOTAS.
[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.
[1] Vale notar que certos países atualizam suas estatísticas uma única vez ao longo do dia; outros atualizam duas vezes ou mais; e há uns poucos que estão a fazê-lo de modo mais ou menos errático. Alguns países europeus (e.g., Suécia, Suíça e Espanha) insistem em não divulgar as estatísticas em feriados e fins de semana. A julgar pelo que informam os painéis, o comportamento da Suécia tem sido particularmente surpreendente e vexatório. Acompanho as estatísticas mundiais em dois painéis, Mapping 2019-nCov (Johns Hopkins University, EUA) e Worldometer: Coronavirus (Dadax, EUA).
[2] Os 20 primeiros países da lista podem ser arranjados em seis grupos: (a) Entre 32 e 34 milhões de casos – Estados Unidos; (b) Entre 28 e 30 milhões – Índia; (c) Entre 16 e 18 milhões – Brasil; (d) Entre 4 e 6 milhões – França, Turquia, Rússia, Reino Unido, Argentina e Itália; (e) Entre 2 e 4 milhões – Colômbia, Espanha, Alemanha, Irã, Polônia, México, Ucrânia e Peru; e (f) Entre 1,7 e 2 milhões – Indonésia, África do Sul e Países Baixos.
[3] Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março, em escala mundial e nacional, ver os cinco volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).
[4] Como comentei em artigos anteriores, fui levado a promover a seguinte mudança metodológica: as estatísticas de casos e mortes continuam a seguir o painel Mapping 2019-nCov, enquanto as de altas estão agora a seguir o painel Worldometer: Coronavirus.
[5] Arrisco dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a maior parte da imprensa brasileira (grande ou pequena; reacionária ou progressista) se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março, em escala mundial e nacional, ver referências citadas na nota 3.
[6] Entre 19/10 e 20/6, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,5% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6) e 0,4174% (14-20/6); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6) e 0,4175% (14-20/6).
Não custa lembrar: Os valores citados acima são médias semanais de uma taxa diária. Outra coisa: para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.
[7] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, consulte qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (ver nota 3).
[8] É um erro imaginar que a saída para a crise será pavimentada pela campanha de vacinação, mesmo na hipótese de que ela saía do marasmo em que se encontra. Como alertei em artigos anteriores, os efeitos da vacinação só serão percebidos – na melhor das hipóteses – quando mais da metade dos brasileiros tiver sido vacinada. E tal não ocorrerá antes do segundo semestre. E mais: Devemos tomar cuidado com as armadilhas mentais que cercam a campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).
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