17 fevereiro 2007

O menino do dedo verde

Maurice Druon

14.
Quando os grandes falam em voz alta, as crianças não os ouvem.

– Você está me ouvindo, Tistu?

E Tistu respondia que sim com a cabeça, para parecer obediente, mas não estava prestando a mínima atenção.

Mas quando as pessoas grandes começam a falar em voz baixa e a dizer segredos, logo os meninos apuram os ouvidos e procuram escutar justamente aquilo que não lhes queriam dizer. Neste ponto são todos iguais e Tistu não fazia exceção.

Há alguns dias que todo o mundo cochichava em Mirapólvora. Pairava segredo no ar, e até nos tapetes da Casa-que-Brilha.

O Sr. Papai e Dona Mamãe soltavam longos suspiros ao lerem os jornais.

O criado Cárolo e a cozinheira Siá Amélia sussurravam junto à máquina de lavar pratos. E até o Sr. Trovões parecia ter perdido seu vozeirão de trombeta.

Tistu apanhava em pleno vôo palavras de mau aspecto.

– Tensão... – dizia o Sr. Papai em voz soturna.

– Crise... – respondia Dona Mamãe.

– Agravamento, agravamento... – acrescentava o Sr. Trovões.

Tistu julgou que se falava de uma doença, ficou muito preocupado, e saiu de polegar em riste a procurar o enfermo pela casa.

Uma volta pelo jardim mostrou-lhe que se enganara. Bigode estava em forma, os puros-sangue cavalgavam pela relva, Ginástico vendia saúde.

Mas no dia seguinte uma outra palavra estava em todas as bocas.

– Guerra... Era inevitável! – constatava o Sr. Papai.

– Guerra... Pobre humanidade! – lamentada Dona Mamãe, balançando a cabeça tristemente.

– Guerra... Mais uma! – frisava o Sr. Trovões. – Resta saber quem vai ganhar.

– Guerra... Que desgraça! Quando é que isso vai acabar! – gemia Siá Amélia, quase chorando.

– Guerre... otrra fez! – repetia o criado Cárolo, que tinha, vocês já sabem, um leve sotaque estrangeiro.

Como só se falava em voz baixa, Tistu entendeu que a guerra devia ser uma coisa feia, uma doença de gente grande, pior que a embriaguez, mais cruel que a miséria, mais perigosa que o crime. O Sr. Trovões já lhe falara um pouco da guerra, mostrando-lhe o monumento aos mortos em Mirapólvora. Mas o Sr. Trovões falara com voz tão forte que Tistu não entendeu direito.
(...)

Fonte: Druon, M. 2002. O menino do dedo verde, 69a edição. RJ, José Olympio. Obra originalmente publicada em 1957.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Quando eu era pequeno, meu pai leu o livro do Tistu para mim, pois eu era um pouco preguiçoso para ler (assim, como o Tistu, me dava sono!) e teria arguição sobre o livro na escola... ontem, depois de grande, li o livro "outra vez". Gostei muito. Hoje, vejo que o livro não é só para crianças! Acho que os adultos deveriam ler também...

Alexandre.

4/11/07 16:26  

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