O iceberg imaginário
Elizabeth Bishop
Preferimos o iceberg ao navio,
embora isto significasse o fim da viagem.
Embora ele estivesse melancólico, como pedra de nuvem
e todo o mar em volta fosse moção de mármore.
Preferimos o iceberg ao navio;
preferimos esta planície de neve que respira,
embora as velas do navio jazessem no mar
como segue no mar sem dissolver-se a neve.
Campo flutuante, solene, perceberás
que contigo um iceberg repousa,
que a seu despertar pastará as tuas neves?
Por esta cena um marinheiro daria os olhos.
O navio é ignorado. O iceberg sobe
e afunda de novo; seus pináculos de vidro
corrigem elípticas no céu.
Quem dissimular ante esta cena parecerá
artificialmente retórico. A cortina é o suficiente leve
para levantar-se a partir dos fios invisíveis
que as volutas de neve inventam.
As centelhas destas arestas brancas
competem com as do sol. O iceberg invade
com seu peso um cenário cambiante, e pára, e observa.
Este iceberg lapida-se de dentro as faces.
Como jóias deixadas num sarcófago
preserva-se perpetuamente e só a si
enfeita; talvez também o faça a neve
que tanto nos surpreendeu à flor d’água, inteira.
Adeus, dizemos, adeus, o navio se afasta
até onde as ondas a outras ondas cedem passo
e as nuvens correm por um céu mais cálido.
Os icebergs pedem à alma
(ambos se autoproduzem com elementos pouco visíveis)
vê-los assim: corpóreos, puros, eretos, indivisíveis.
Fonte: Bishop, E. 1990. Poesias. SP, Companhia das Letras. Poema originalmente publicado em 1946.
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