22 abril 2007

Estudos sobre o medo

Alberto da Cunha Melo

1.
Só a carne ferida
nos faz recuar
em silêncio, como os célebres
homens-rãs, ou reles
homens reais.
Quantos ataques evitados,
pelo medo que ninguém viu,
entrariam na farta folha
dos falsos e trêmulos
homens bons?
Só o sangue, soltando
seu escândalo sem farsa,
interrompe a curta e casta aventura
dos que sonham vencer,
de longe,
sua própria luta.

2.
Empunhando o mais novo
e leve modelo
da metralhadora Ina,
arrisco-me a contemplar,
ó primeira ou última cidade,
tua clara e abandonada
noite de luar.
Assim armado, teu exército
crescente de infelizes
pensará duas vezes
antes de me atacar.
Assim armado,
ó imprevisível cidade,
é até possível
que possa um dia
conhecer teus escuros
e, excitado, te amar.

3.
Na primeira vez
que nos armamos
riram muito de nós
e de nossas armas,
mas não sabíamos que eles
pretendiam, apenas,
nos desarmar.
Quando enterramos nossos rifles,
eles riram e bateram
em nossos corpos desarmados.
Agora, temos medo
de revolver a terra
para salvar os ossos
e as armas
dos primeiros mortos.

4.
Do medo, só conhecemos,
mesmo, a vergonha
no dia seguinte.
O resto foi o alvoroço
da vida, cheia de dedos,
querendo continuar.
No dia seguinte, o medo
começa a cobrar
da vida envergonhada
os tristes dividendos.
A cabeça parece
querer sepultar-se
antes do corpo e do perdão
dos seres amados.

5.
Se os bons não tiverem medo,
os maus só atacarão
se os bons celebrarem cedo
a vitória de estarem vivos
sem os matar.
As festas precoces
desarmam a alegria:
pois ela, como fêmea,
só canta segura
cercada de ferro,
fogo e atenção.

Fonte: Melo, A. C. 2006. O cão de olhos amarelos & outros poemas inéditos. SP, A Girafa.

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