Casas de ópio
Maria Anna Acciaioli Tamagnini
Nos kakimonos, de papel pintado,
Os dragões saltam, riem as carrancas,
E entre as nuvens do fundo acobreado
Os deuses montam em cegonhas brancas.
Sobre as lacas polidas, luzidias,
Há figuras, marfim de alto-relevo,
Finas silhuetas de mulheres esguias,
Sorrindo aos deuses num profundo enlevo.
Na sua luz mortiça, vão ardendo
As lamparinas clássicas, chinesas.
Nos cachimbos o ópio vai fervendo
Ao contacto das lâmpadas acesas.
Nas esteiras, em lânguido abandono,
Adormecem já os fumadores.
Vencidos pelo poder fatal do sono
Esqueceram da vida os dissabores.
Corpos que pelo ópio emagrecidos
Se perdem nas cabaias de cetim.
Contornos vagos, rostos abatidos
Da cor da cera virgem, do marfim.
Vede-os dormir! Que imensa placidez
Nas suas faces quietas e paradas!
Mas, sonham. Através da palidez
Das pálpebras sombrias, maceradas,
O sonho adeja em louca fantasia:
Miragem de além-mar, países raros,
Glória, poder, riqueza, soberania,
Mulheres de olhos negros, de olhos claros...
Em taça de cristal vinho de rosas.
Brancas magnólias, lírios perfumados.
Sobre as águas, em noites misteriosas,
Juncos, de prata e oiro carregados.
Inertes vão sonhando os orientais...
O ópio, que os domina e que os subjuga,
Sobe nos ares, em ténues espirais,
Dos cachimbos de jade e tartaruga...
E pelas altas paredes, que o exotismo
Vestiu de seda, cobriu de oiro velho,
Bailam sombras, visões do paganismo,
À luz quebrada de um lampião vermelho!
Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Poema originalmente publicado em 1925.
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