Sobre o código genético
John Maynard Smith & Eörs Szathmáry
[...] [A]minoácidos quimicamente parecidos tendem a ser codificados por códons parecidos. Por exemplo, o ácido aspártico e o ácido glutâmico são quimicamente semelhantes: o ácido aspártico é codificado pelo códons GAU e GAC e o ácido glutâmico pelos códons GAA e GAG. Uma análise mais geral confirma que, a esse respeito, o código está longe de ser aleatório. Por que deveria ser adaptativo que aminoácidos parecidos sejam codificados por códons parecidos? Duas razões plausíveis têm sido sugeridas. Primeiro, se um erro é cometido durante a síntese protéica, o efeito na função da proteína provavelmente será bastante pequeno. Segundo, é menos provável que as mutações sejam deletérias.
Uma segunda característica não-aleatório do código diz respeito à sua redundância. Aminoácidos podem ser codificados por um, dois, três, quatro ou seis códons diferentes. Em geral, os aminoácidos que são comuns entre as proteínas tendem a ser especificados por mais códons: por exemplo, leucina e serina (ambas com seis códons) são mais freqüentes em proteínas do que o triptofano (um códon). Mas provavelmente seria errado interpretar isso como uma característica adaptativa do código. É mais provável que seja uma conseqüência não selecionada do código ser como ele é. Portanto, haverá mais mutações para serina e leucina do que para triptofano. Se pelo menos algumas modificações de aminoácidos forem seletivamente neutras, a observada associação entre abundância de proteínas e redundância será previsível. Há também evidências nítidas de que a seleção impediu que a abundância de proteínas correspondesse precisamente à redundância. Por exemplo, as freqüências dos aminoácidos ácidos (ácido aspártico e ácido glutâmico) e básico (arginina e lisina) são aproximadamente iguais, como seria previsto, na medida em que o pH intracelular é neutro. Mas, considerando a redundância de códons, esperaríamos que os aminoácidos básicos fossem duas vezes mais freqüentes que os ácidos.
Permanece a questão sobre a existência ou não de alguma razão química para determinados códons terem se associado com determinados aminoácidos. A alternativa é que as designações foram quimicamente arbitrárias, assim como a atribuição de sentidos às palavras na linguagem humana é essencialmente arbitrária. Segundo esse pressuposto, pode haver uma razão para o fato de os dois primeiros nucleotídeos nos códons do ácido glutâmico e do ácido aspártico serem os mesmo, mas é apenas por mero acidente que eles são GA e não, por exemplo, AU. A questão permanece em aberto, mas é claro que qualquer especificidade química que possa ter existido não foi, por si mesma, suficiente para determinar o código: a evolução de enzimas designadoras permanece um passo crucial a ser explicado.
Fonte: Maynard Smith, J. & Szathmáry, Eörs. 2001. Linguagem e vida. In Murphy, M. P. & O’Neill, L. A. J., orgs. “O que é vida?” 50 anos depois. SP, Editora da Unesp.
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