06 setembro 2008

Reflexões sobre o último capítulo da vida

Sherwin B. Nuland

Todos querem conhecer a morte em detalhes, embora poucos se atrevam a confessar. Seja para antecipar os eventos de nossa doença final ou para melhor compreender o que está acontecendo a um ente querido à beira da morte – ou mais provavelmente devido à essa fascinação do id pela morte que todos nós sentimos – somos atraídos por pensamentos sobre o fim da vida. Para a maioria das pessoas, a morte permanece um segredo oculto, tão erotizado quanto temido. Somos irresistivelmente atraídos pelas próprias ansiedades que consideramos mais aterradoras; somos levados a elas por uma excitação primitiva que surge do flerte com o perigo. Mariposas e chamas, humanidade e morte – não são muito diferentes essas relações.

Nenhum de nós parece psicologicamente apto a lidar com o pensamento de nosso estado de morte, com a idéia de uma inconsciência permanente em que não existe vazio nem vácuo – e simplesmente não existe nada. Isso parece tão diferente do nada que precede a vida. Como acontece com todos os outros tipos de terrores e tentações que nos afligem, buscamos meios de negar o poder da morte e a mão gelada com que ela segura o pensamento humano. Sua constante proximidade sempre inspirou métodos tradicionais pelos quais disfarçamos consciente e inconscientemente essa realidade, como contos populares, alegorias, algo de novo; criamos o método moderno de morrer. A morte moderna acontece no hospital moderno, onde ela pode ser oculta, limpa de sua sujeira orgânica e finalmente empacotada para um sepultamento moderno. Podemos agora negar o poder não só da morte, mas também da natureza. Escondemos nossos rostos de sua face, mas ainda abrimos um pouco os dedos, porque há algo em nós que não resiste a uma olhadinha.
[...]

Fonte: Nuland, S. B. 1995. Como morremos. RJ, Rocco.

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