19 janeiro 2009

Sombras da violência

Gerhart Hauptmann

Soubesse eu o que em sonho me revelou
O Espírito Eterno
– Ele a quem louvam Terra e Céu –
Quando do mar do tempo
Me lançou a este deserto vermelho,
Abandonado para todo o sempre
A todas as misérias!
Ali fiquei na areia ardente
Sem noção do dia de ontem nem do dia de amanhã!
Desamparado de tudo,
Desapegado de todos,
Tudo o que viam meus olhos
Me era estranho,
Tudo aparência e ilusão.
Uma criatura – seria um homem?
Me encarava na areia abrasada,
Alheado e taciturno,
Frio e insensível.
De certo modo me regozijei
Ao ver ali uns feixes
Que pareciam arrumados por mão humana:
Estaria eu perto dos homens?
Mas reconheci num como grito mudo
Que era palha vazia!
Ah, a colheita acabou,
E onde esta o trigo?
Meditando como em sonho
Sobre aquela aparição,
Ali quedei na areia ardente,
Em face do corpo mudo, nem homem nem mulher,
Na sua silenciosa nudez, paralisado a morte.
“Vens da parte da Esfinge?” perguntaram não sei donde.
Então, erguendo às cegas a mão
E subitamente inflamado, palpitante:
“Não pergunte ninguém quem eu seja
Nem quem sejas”, falou.
“As perguntas aqui não tem sentido!
A paz das coisas parece mais vazia em torno de nós.
Não te fies das aparências:
Pois já não somos ambos
Senão sombras da violência.”

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira.

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