As tias
Néstor Perlongher
e essa mitologia de tias solteironas que trocam as gorduras
dos pentes do sobrinho: na guerra: na fronteira: tias que
penteiam: tias que sem objeto nem destino: babas como lamê:
lassas: se oxidam: e assim ‘flutuam’: flutuam assim, como es-
ses pentes que na guerra as tias desses garotos limpam: de-
sensebam, depilam: sem objeto: nos escapulários esse púbis
enrolado de um menino que morreu na fronteira, com o quepe
torcido; e nas fotos os rictos dos meninos no poço da fron-
teira entre as balas bélicas e o olhar melancólico das tias:
nos pentes: engordurados, rijos, como as babas que as tias
desovam sobre o pente do garoto que vai para a guerra e re-
toca o topete: e elas pensam: que o pente engordurado pelos
pêlos do púbis desse garoto morto pelas balas de um amor
fronteiriço guarda também os pêlos das mãos do garoto que
morto na fronteira dessa guerra amorosa se toucava: o to-
pete; e que os pêlos, sujos, desse garoto, como um caracol
de púbis nos escapulários, no banheiro apanhados pela veloz
parteira, pegos no bidê, na hora em que eles, solitários, que
recordam suas tias que morreram nos campos cruzados da
guerra, retocam: os topetes: e as tias que morrem com o
pente do garoto que foi morto nas garras do vício frontei-
riço entre os dentes: mordem: desdentadas o gel degustam
dos cabelos do pente dos rapazes que partem para a morte na
fronteira, pentelhos despenteados.
Fonte: Costa, H. 1992. Antologia de poesia hispano-americana atual. Revista USP 13: 186-205. Poema publicado em livro em 1991.
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