Ser cristão
Hans Küng
2.1
O termo “cristão” hoje traduz mais a idéia de sono (Schlafwort) do que a de impacto (Schlagwort). Há tanta coisa cristã: igrejas, escolas, partidos políticos, grêmios culturais e naturalmente a Europa, o Ocidente, a Idade Média, sem falar no “rei cristianíssimo” – título conferido por Roma onde, aliás, se dá preferência a outros atributos (“romano”, “católico”, “eclesiástico”, “santo”), para equipará-los simplesmente com “cristão”. Como qualquer inflação, também esta inflação conceitual conduz à desvalorização.
Lembrança perigosa
Será que alguém ainda se recorda da origem suspeita da palavra “cristão”? Originou-se em Antioquia, consoante o testemunho dos Atos dos Apóstolos. Ao começar a circular na história universal, “cristão” era termo ofensivo mais do que honroso epíteto. Quem ainda se lembra disto?
Foi quando pelo ano 112 Gaio Plínio II, governador romano de Bitínia, província da Ásia Menor, consultou o imperador Adriano a respeito dos “cristãos”, acusados de numerosos crimes, mas que, segundo o inquérito feito, apenas se recusavam a prestar culto divino ao imperador, parecendo, no mais, gente pacata a entoar hinos a “Cristo, como a Deus” (= recitar o ato de profissão de fé?) e a respeitar os mandamentos (não furtar, não saquear, não cometer adultério, não mentir).
Pouco depois, um amigo de Plínio Cornélio Tácito, ao elaborar uma história da Roma imperial, relata, com bastante fidelidade, o incêndio de Roma (no ano 64), atribuído, pela voz do povo, ao imperador Nero e por este descarregado na conta dos “crestãos”: palavra que se derivaria de “Cristo”, nome de certo sentenciado pelo procurador Pôncio Pilatos, sob o imperador Tibério. “Essa superstição perniciosa”, diz Tácito, como de resto tudo que é nocivo e não presta, acabou por encontrar o caminho de Roma onde, após o incêndio, chegou a arrebanhar grande número de adeptos.
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Fonte; Küng, H. 1976. Ser cristão. RJ, Imago.
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