14 dezembro 2009

História do casamento e do amor

Alan Macfarlane

9.
Em contraste com sociedades mais antigas, já foi notado que os norte-americanos “não só constroem suas vidas familiares sobre o relacionamento marido/mulher como também apóiam todo o seu sistema de valores e a moralidade sobre ele”. Enquanto nas sociedades industriais do Ocidente o relacionamento emocional entre um homem e sua esposa é fundamental, na maioria das sociedades ele jamais é o pivô da estrutura social. Conforme observamos, as relações mais importantes são aquelas entre pais e filhos, os vínculos conjugais vindo em um pobre segundo lugar. “Nos países orientais com sua antiga civilização, verifica-se mesmo hoje pouco daquele sentimento de ternura para com a mulher, que é o principal encanto de nossa vida familiar”, escreve Westermarck.

A passagem de uma situação em que o relacionamento conjugal subordina-se a outros para a visão dominante no Ocidente, que o considera o vínculo mais profundo e duradouro da vida, acarreta numerosas conseqüências, alterando a natureza do casamento e os papéis de homens e mulheres. Uma das conseqüências é demográfica. A substituição dos vínculos familiares e entre pais e filhos pela relação marido/mulher diminui a pressão para ter filhos. O casal se basta um ao outro: os filhos se tornam um luxo, não uma necessidade. A contracepção eficaz permite escolher se se quer ter muitos ou poucos. Assim, o fortalecimento do vínculo marido/mulher é parte de um processo econômico e emocional que alguns demógrafos como Caldwell acreditam levar ao estado propício para uma situação demográfica de baixa fertilidade. É essencial, portanto, calcular quando essa situação – caracterizada por forte atração e afeto antes do casamento e sentimentos avassaladores dentro do casamento – foi estabelecida. Como já dissemos, essa premissa cultural faz parte do sistema de casamento malthusiano. Malthus afirmou em toda a sua obra que o casamento se devia sobretudo ao “amor”, e que a relação conjugal seria, desde que assumida, a mais importante na vida de uma pessoa. Embora tais afirmações sejam hoje partilhadas por muitos, na época foram culturalmente idiossincráticas. Quando se deu tal transformação?
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Fonte: Macfarlane, A. 1990. História do casamento e do amor. SP, Companhia das Letras.

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