21 agosto 2013

Harpa esquisita


Dói-te a festa feliz da verdade da vida...
Tanges da harpa, em teu sonho, almas ou cordas, cantas,
Bóiam-te as notas no ar, a asa no Azul diluída
E, assombrados, reptis – homens, não! tu levantas!

E apupilam-te a fronte as mil pedras agudas
De ódios e ódios a olhar-te... E és um rei que as avista,
No halo, de Amor, que tens! se em colar as transmudas,
Vais – um dervixe persa, o manto azul – Artista!

Inda olhar adormido abre, e é de ocre, e avermelha!...
Vem colar-te ao colar... e, oh! tua harpa esquisita
Plange... flora a zumbir, minúscula, que imita
A abelheira da Dor, em centelha e centelha.

E é a sombra... E o instrumento, a gemer, iluminado,
Como que à Noite estrela um núbio corvo... E lindo
(Inda que as asas tens não no terás ao lado)
Por que os pétalos d’ouro, a haste de prata, abrindo,

Um lírio de ouro se alça?... Os passos voam-te, pelas
Ribas... Oh! que ilusões da flor, que tantaliza!
Sobe a flor? Sobes tu e a alma nas pedras pisa?...
Pairas... Em frente, o mar, polvos de luz – estrelas...

Pairas... e o busto a arfar – longe, vela sem norte.
Negro o céu desestrela, o seio arqueando: escuta.
No amoroso oboé solfeja um vento forte
E, alta, em surdo ressôo, a onda betúmea e bruta.

A ânsia do mar, lá vem, esfrola-se na areia...
Seu líquido cachimbo é mágoa acesa, e fuma!
E chamas a onda: “irmã”. E em fósforo incendeia
Na praia a onda do mar, ri com dentes de espuma.

De ametista, em teu sonho, uma antiga cratera
Mal te embebe – alegria! – alvos dedos de frio,
Eis se te emperla o rosto e a prantear vês, sombrio,
A onda crescer, rajar-se em brutal besta-fera!

Olhas... E, soluçoso, à musica das mágoas
Amedulas o Mar e amedulas a Terra!
A sombra aclara... E é ver a dança verde de águas
E arvoredos dançando ao coruto da serra!

Gemes... Dedando o Azul as magras mãos dos astros
Somem, luzindo... Ao longe, esqueleta uma ruína
Em teu sonho a enervar, argentina, argentina...
De ilusões, no horizonte, ossos brancos... são mastros!

Quentes estrias à alma, à frialgem, nas cousas...
Que bom morrer! manhã, luz, remada sonora...
Pousas um dedo níveo às níveas cordas, pousas
E és náufrago de ti, a harpa caída, agora.

Ah! os homens percorre um frêmito. Num choro...
Move oceânica a espécie, amorosa, amorosa!
Mais que um dervixe, és deus, que morre, a irradiosa
Glorificação de ouro e o sol de ouro... à paz de ouro.

Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep.

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