Harpa esquisita
Dói-te a festa feliz da
verdade da vida...
Tanges da harpa, em teu
sonho, almas ou cordas, cantas,
Bóiam-te as notas no ar,
a asa no Azul diluída
E, assombrados, reptis –
homens, não! tu levantas!
E apupilam-te a fronte as
mil pedras agudas
De ódios e ódios a
olhar-te... E és um rei que as avista,
No halo, de Amor, que
tens! se em colar as transmudas,
Vais – um dervixe persa,
o manto azul – Artista!
Inda olhar adormido abre,
e é de ocre, e avermelha!...
Vem colar-te ao colar...
e, oh! tua harpa esquisita
Plange... flora a zumbir,
minúscula, que imita
A abelheira da Dor, em
centelha e centelha.
E é a sombra... E o
instrumento, a gemer, iluminado,
Como que à Noite estrela
um núbio corvo... E lindo
(Inda que as asas tens
não no terás ao lado)
Por que os pétalos d’ouro,
a haste de prata, abrindo,
Um lírio de ouro se
alça?... Os passos voam-te, pelas
Ribas... Oh! que ilusões
da flor, que tantaliza!
Sobe a flor? Sobes tu e a
alma nas pedras pisa?...
Pairas... Em frente, o
mar, polvos de luz – estrelas...
Pairas... e o busto a
arfar – longe, vela sem norte.
Negro o céu desestrela, o
seio arqueando: escuta.
No amoroso oboé solfeja
um vento forte
E, alta, em surdo ressôo,
a onda betúmea e bruta.
A ânsia do mar, lá vem,
esfrola-se na areia...
Seu líquido cachimbo é
mágoa acesa, e fuma!
E chamas a onda: “irmã”.
E em fósforo incendeia
Na praia a onda do mar,
ri com dentes de espuma.
De ametista, em teu
sonho, uma antiga cratera
Mal te embebe – alegria! –
alvos dedos de frio,
Eis se te emperla o rosto
e a prantear vês, sombrio,
A onda crescer, rajar-se
em brutal besta-fera!
Olhas... E, soluçoso, à
musica das mágoas
Amedulas o Mar e
amedulas a Terra!
A sombra aclara... E é
ver a dança verde de águas
E arvoredos dançando ao
coruto da serra!
Gemes... Dedando o Azul
as magras mãos dos astros
Somem, luzindo... Ao
longe, esqueleta uma ruína
Em teu sonho a enervar,
argentina, argentina...
De ilusões, no horizonte,
ossos brancos... são mastros!
Quentes estrias à alma, à
frialgem, nas cousas...
Que bom morrer! manhã,
luz, remada sonora...
Pousas um dedo níveo às
níveas cordas, pousas
E és náufrago de ti, a
harpa caída, agora.
Ah! os homens percorre um
frêmito. Num choro...
Move oceânica a espécie,
amorosa, amorosa!
Mais que um dervixe, és
deus, que morre, a irradiosa
Glorificação de ouro e o sol de ouro... à paz de ouro.
Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep.
Glorificação de ouro e o sol de ouro... à paz de ouro.
Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep.
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