06 maio 2017

Ao contemplar o crânio de Schiller

J. W. von Goethe

No severo ossuário foi que eu vi
   Caveiras e caveiras ordenadas;
   Pensei no velho tempo encanecido
Os que outrora se odiaram, em cerradas
   Filas estão, e ossadas duras, que se f’riram
   De morte, jazem mansas e cruzadas.
Ombros desconjuntados! Quem pergunta
   O que outrora carr’garam? e activos membros gráceis,
   Mãos, pés arrancados das junturas da vida.
Em vão, cansados membros, vos deitastes;
   Nem na cova repouso vos deixaram,
   Expulsos outra vez pra o dia claro;
E ninguém pode amar a casca seca,
   Precioso que fosse o cerne que encerrou.
   Mas a mim, adepto, se revelou a escrita,
Que nem a todos abre o sagrado sentido,
   Quando, no meio de tal turba hirta,
   Uma forma avistei de beleza tão sem preço
Que na angústia e frieza pútrida da câmera
   Eu livre e quente me reanimei
   Qual se de entre a morte brotasse fonte viva.
Como essa forma de mistério me encantou!
   Signo de Deus pensado, que assim se conservou!
   Olhar que me arrastou às praias daquel’mar
Que em maré cheia arroja figuras sublimadas.
   Secreto vaso! que dás sentenças de oráculo,
   Serei eu digno de te ter na mão, a ti,
Tesouro excelso, que piedoso arranco
   Da podridão, devoto me voltando
   Para o ar livre e livre meditar à luz do sol.
Que pode o homem ganhar mais nesta vida,
   Do que se lhe revele a Natureza-Deus?
   Ao vê-la sublimar a matéria firme do Espírito,
   E firme conservar o que o Espírito criou.

Fonte: Goethe, J. W. 1986 [1790]. A metamorfose das plantas. SP, Edições Religião & Cultura. Poema datado de 1826. Para um poema de Schiller, ver aqui.

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