Limpo e reto
1.
Sou limpo. Gosto de limpeza. Lavo as mãos sempre, sobretudo no verão. Também sou reto. A retidão é para mim a maior das virtudes de um ser humano. Deve ser por isso que eu gosto de linhas retas. E de soldados perfilados, marchando em sincronia. Uniformes limpos e vistosos. Coturnos pretos ressoando contra o chão. Homens fortes e corados, e seus rifles reluzentes. Lembro como se fosse hoje: a voz do sargento a ecoar pelo pátio onde treinávamos para o desfile de 7 de setembro. A retidão é a virtude que nos separa das feras, dos gabirus, dos pobres. Odeio pobreza, a irmã mais velha da bagunça e da sujeira. Os homens retos – os Escolhidos – devem ouvir o Chamado, unindo forças contra essas três irmãs que hoje ameaçam a integridade do mundo. Vadias infiéis e oportunistas.
2.
Quando eu era pequeno, as crianças zombavam de mim no recreio. Algumas me chamavam de xis, por causa das pernas tortas. Outras me chamavam de mulherzinha, por conta do meu hábito de ficar em sala, na hora do recreio, a escrever cartas... Perdi a vontade de me enturmar. E nunca beijei uma garota. Até que eu me casei. Foi quando eu passei a colecionar mulheres. Faço com elas o que aquelas crianças fizeram comigo. Vingança. Olho por olho, dente por dente – não é o que diz a Bíblia? E é o que eu tenho feito nos últimos anos. Às vezes, uma ou outra até grita mais alto ou tenta fugir, mas eu sou mais forte e sempre dou um jeito. Quando tudo termina, eu sei me livrar das pistas. E lavo bem as mãos e troco de roupa. E assim eu tenho me mantido limpo. Limpo e reto.
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