29 janeiro 2021

Taxas de crescimento elevadas mantêm o país com os dois pés afundados na lama

Felipe A. P. L. Costa [*].

1. O balanço da semana que passou.

Ontem (24), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 28.323 casos e 592 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 8.844.577 casos e 217.037 mortes.

Em números absolutos, os casos registrados na semana encerrada ontem (18-24/1) ficaram abaixo dos que foram registrados nas duas semanas anteriores. Foram 356.478 casos, contra 382.309 (11-17/1) e 372.044 (4-10/1).

Desgraçadamente, porém, o número de mortes tornou a subir. Foram 7.190 mortes. O que torna a semana encerrada ontem (18-24/1) a sexta mais letal desde o início da pandemia [1].

2. Taxas de crescimento.

Em termos de monitoramento, porém, os números absolutos pouco ou nada nos dizem sobre os rumos que as coisas estão a tomar. Para tanto, nós devemos investigar o comportamento de parâmetros que nos deem pistas sobre a dinâmica da epidemia, como as taxas de crescimento no número de casos e de mortes [2].

Em comparação com as médias da semana anterior, as médias da semana passada (18-24/1) oscilaram em sentidos opostos: a taxa do número de casos declinou, enquanto a do número de mortes escalou (ver a figura que acompanha este artigo).

Eis os resultados: A taxa de crescimento no número de novos casos caiu de 0,66% (11-17/1) para 0,59% (18-24/1), enquanto a taxa de crescimento no número de mortes subiu de 0,47% (11-17/1) para 0,48% (18-24/1) [3, 4].

*


FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro e em azul claro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro e em vermelho claro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6 e 24/1. (Valores acima de 2% não são mostrados.) Os pontos claros indicam semanas cujas médias foram inferiores à média da semana encerrada ontem (18-24/1) – i.e., valores inferiores a 0,59% (casos; pontos em azul claro) e 0,48% (mortes; pontos em vermelho claro). As médias mais baixas das duas séries (casos e mortes) foram observadas entre 11/10 e 8/11, caracterizando o período como o ‘melhor mês’. Logo em seguida, porém, note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias.

*

3. Coda.

No âmbito deste artigo, a boa notícia foi a queda observada (pela segunda semana consecutiva) na taxa de crescimento no número de novos casos (ver a figura). A continuar assim – i.e., a depender do resultado da semana em curso (25-31/1) –, talvez nós venhamos a ter motivos para felicitar certos governantes.

Estou a me referir aqui àqueles governantes que, na contracorrente da má-fé e dos malfeitos do Palácio do Planalto, ainda colocam a saúde da sociedade à frente da saúde dos mercados. Essa turma, ciente de suas próprias estatísticas e das estatísticas produzidas por algumas cidades (e.g., Manaus [5], Rio de Janeiro e Porto Alegre), resolveu descruzar os braços. E passou a adotar (pela segunda ou terceira vez, a depender do caso) medidas minimamente efetivas no combate à disseminação da epidemia.

Se o governante cruza os braços e libera a anarquia econômica (como ocorreu em Manaus, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, entre tantas outras cidades), as estatísticas reagem e logo escalam.

Por sua vez, se o governante descruza os braços e regulamenta minimamente a anarquia econômica, as estatísticas também reagem e logo declinam.

Não tem mistério. A relação de causa e efeito é simples e óbvia. Só não enxerga quem não quer. E quem não quer enxergar isso não é digno de confiança sequer para abrir ou fechar uma torneira, menos ainda para governar um país ou uma cidade.

*

Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Desde a chegada da pandemia em terras brasileiras, 10 semanas ultrapassaram a marca das sete mil mortes (o que equivale a uma média diária superior a 1 mil óbitos/dia). Na pior delas (20-26/7) foram registradas 7.516 mortes.

[2] Arrisco dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a imprensa brasileira (grande parte dela, ao menos) se dê conta de que está monitorando a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. De resto, trata-se de um parâmetro de fácil computação (ver a nota 4).

[3] Entre 25/10 e 24/1, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1) e 0,59% (18-24/1); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1) e 0,48% (18-24/1).

[4] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver qualquer um dos quatro volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui e aqui).

[5] Meses atrás, alguns técnicos cometeram a imprudência de afirmar que, após a carnificina promovida pela ‘primeira onda’, a população de Manaus poderia ter alcançado algum grau de imunidade de rebanho. Não foi o caso, obviamente. E é bom frisar que tal imunidade tampouco será alcançada após a ‘segunda onda’ ora em curso. Uma proteção social efetiva – aqui ou em qualquer outro país do mundo – só será alcançada pela vacinação. Mas devemos tomar cuidado com as armadilhas mentais que cercam a recém-iniciada campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).

* * *

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker