08 março 2021

Um país pronto para decolar rumo ao abismo

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes) divulgados em artigo anterior (aqui). Estes dois parâmetros (sozinhos ou combinados) servem como um guia apropriado e confiável para se monitorar o rumo e o ritmo da pandemia (diferentemente da média móvel, por exemplo). Entre 1 e 7/3, as taxas ficaram em 0,62% (casos) e 0,58% (mortes). Foi a terceira semana seguida em que as duas taxas escalaram. A situação é crítica e eu só vejo duas alternativas capazes de impedir que o país decole rumo ao abismo: (1) governadores e prefeitos, agindo de boa-fé e de modo coordenado, assumem a condução da crise e adotam medidas nacionais unificadas de proteção e confinamento; ou (2) alguma entidade supranacional (e.g., OMS ou OEA), visando o bem-estar e a saúde pública dos habitantes de toda a América do Sul, intercede e se posta ao lado do que resta do Estado brasileiro (e.g., Fiocruz) para ajudar a tirar o país da lama.

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1. O RITMO ATUAL DA PANDEMIA NO PAÍS.

Ontem (7/3), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 80.508 casos e 1.086 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 11.019.344 casos e 265.411 mortes.

Em números absolutos, as estatísticas registradas na semana passada (1-7/3) foram ainda mais assombrosas que as da semana anterior.

Foram 468.085 novos casos – 22% a mais que o recorde anterior (383.085 casos, entre 22 e 28/2). Foi a 14ª semana com mais de 300 mil novos casos, nove das quais foram registradas em 2021.

E foram 10.469 mortes – 24% a mais que o recorde anterior (8.438 mortes, entre 22 e 28/2/2021). Foi a 16ª semana com mais de 7 mil mortes, oito das quais foram registradas em 2021.

2. TAXAS DE CRESCIMENTO.

Como já alertei em artigos anteriores, o jeito certo de monitorar o rumo e o ritmo de uma epidemia (ou pandemia, como é o caso de agora) exige que examinemos algum parâmetro que nos informe sobre a dinâmica da disseminação da doença. É o caso das taxas de crescimento no número de casos e de mortes [1].

Vejamos os resultados mais recentes.

Em comparação com as médias da semana anterior (22-28/2), as médias da semana passada (1-7/3) escalaram. E de modo apreciável e consistente (ver a figura que acompanha este artigo).

A taxa de crescimento no número de casos subiu de 0,53% (22-28/2) para 0,62% (1-7/3) – é o maior percentual nas últimas sete semanas.

E o mais terrível e assombroso: A taxa de crescimento no número de mortes subiu de 0,48% (22-28/2) para 0,58% (1-7/3) – é o maior percentual nos últimos seis meses [2, 3]!

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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6/2020 e 7/3/2021. (Valores acima de 2% não são mostrados.) As médias mais baixas das duas séries (casos e mortes) foram observadas entre 11/10 e 8/11, razão pela qual o período é referido aqui como o ‘melhor mês’. Logo em seguida, porém, note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias.

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3. CODA.

Não há dúvida de que o país permanece com os dois pés afundados na lama. Uma situação que se arrasta desde 3/1/2021 (ver a figura que acompanha este artigo).

O Palácio do Planalto dá mostras diárias de que a sua principal aposta é no barulho e na confusão. Quanto pior, melhor – a morosa e desencontrada campanha de vacinação ora em curso ilustra bem o que estou a dizer [4].

O pano de fundo desse tipo de estratégia política me faz pensar em uma velha anedota caipira – a ladainha do “Eu avisei”. Dois caipiras estão diante de um problema na estrada. Mas enquanto um deles age, o outro apenas assiste – cospe no chão, cruza os braços e encosta no que sobrou do barranco que desabou. Qualquer que seja o resultado do trabalho do primeiro, o segundo terá uma justificativa para a sua inação – “Eu avisei! Eu avisei!”.

Medo, covardia e crueldade andam de mãos dadas. O país já teve presidentes covardes e cruéis. Mas nenhum deles era tão medroso quanto o atual.

A situação do país é crítica e eu só vejo duas alternativas capazes de impedir que o país decole rumo ao abismo: (1) governadores e prefeitos, agindo de boa-fé e de modo coordenado, assumem a condução da crise e adotam medidas nacionais unificadas de proteção e confinamento; ou (2) alguma entidade supranacional (e.g., Organização Mundial da Saúde ou Organização dos Estados Americanos), visando o bem-estar e a saúde pública dos habitantes de toda a América do Sul, intercede e se posta ao lado do que resta do Estado brasileiro (e.g., Fiocruz) para ajudar a tirar o país da lama.

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NOTAS.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Arrisco dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a imprensa brasileira (grande parte dela, ao menos) se dê conta de que está monitorando a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março, em escala mundial e nacional, ver os quatro volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui e aqui).

[2] Entre 19/10 e 7/3, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2) e 0,62% (1-7/3); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2) e 0,58% (1-7/3).

[3] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver as referências citadas na nota 1.

[4] Como alertei em artigos anteriores, os efeitos da vacinação só serão percebidos – na melhor das hipóteses – quando mais da metade dos brasileiros tiver sido vacinada. Uma meta que, no ritmo atual, levará alguns anos para ser alcançada... E mais: Devemos tomar cuidado com as armadilhas mentais que cercam a campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).

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