06 outubro 2021

Como o ritmo lento da vacinação e a liberação precipitada estariam a prolongar a pandemia

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza as estatísticas mundiais a respeito da pandemia da Covid-19 divulgadas em artigo anterior (aqui). No caso específico do Brasil, o artigo também atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes). Entre 27/9 e 3/10, essas taxas ficaram em 0,0775% (casos) e 0,0840% (mortes). Tais valores estão acima do esperado – ambos já deveriam ter caído para algo em torno de 0,05% (ver aqui). A estagnação atual seria resultado de uma combinação envolvendo ao menos dois fatores: queda (acentuada) no ritmo da vacinação e suspensão (precipitada) das medidas restritivas.

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1. UM BALANÇO DA SITUAÇÃO MUNDIAL.

Levando em conta as estatísticas obtidas no fim da tarde de ontem (3/10) [1], eis um balanço da situação mundial.

(A) Em números absolutos, os 20 países [2] mais afetados estão a concentrar agora 76% dos casos (de um total de 234.858.305) e 76% das mortes (de um total de 4.800.518) [3].

(B) Entre esses 20 países, a taxa de letalidade segue em 2%. A taxa brasileira segue em 2,8%. (Outros dois países da América do Sul que seguem no topo da lista têm as seguintes taxas: Argentina, 2,2%; e Colômbia, 2,5%.)

(C) Nesses 20 países, receberam alta 162 milhões de indivíduos, o que corresponde a 90% dos casos. Em escala global, 212 milhões de indivíduos já receberam alta [4].

2. O RITMO DA PANDEMIA NO PAÍS.

Ontem (3/10), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 9.004 casos e 225 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 21.468.121 casos e 597.948 mortes.

Na semana encerrada ontem (27/9-3/10), foram registrados 116.149 novos casos – um aumento de 3,5% em relação ao total (112.189) da semana anterior.

Desgraçadamente, porém, ainda foram registradas 3.505 mortes – uma queda de 5% em relação ao total (3.691) da semana anterior.

3. TAXAS DE CRESCIMENTO.

Os percentuais e os números absolutos referidos acima ajudam a descrever a situação. Mas eles pouco ou nada informam sobre o ritmo e o rumo da pandemia [5]. Para tanto, sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes.

Vejamos os resultados mais recentes.

A taxa de crescimento no número de casos subiu de 0,0753% (20-26/9) para 0,0775% (27/9-3/10) [6].

A taxa de crescimento no número de mortes, por sua vez, caiu de 0,0890% (20-26/9) para 0,0840% (27/9-3/10) [6, 7].

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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6/2020 e 3/10/2021. (Valores acima de 2% não são mostrados.) Uma primeira sucessão prolongada de médias baixas nas duas séries (casos e mortes) foi observada entre 11/10 e 8/11, razão pela qual o período é referido aqui como o melhor mês. Logo em seguida, porém, note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias. A campanha de vacinação teve início em 17/1. Os percentuais em azul escuro (1%, 10% etc.) ao longo do eixo horizontal indicam a parcela da população brasileira vacinada com ao menos uma dose [8]. A chamada CPI da Covid foi oficialmente instalada em 27/4.

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4. MÁSCARAS ESTÃO A SALVAR VIDAS.

Após semanas sucessivas de quedas, as trajetórias das duas taxas empacaram (ver a figura que acompanha este artigo). O que seria resultado de uma combinação envolvendo ao menos dois fatores: (1) queda (acentuada) no ritmo da vacinação; e (2) suspensão (precipitada) das medidas restritivas.

O ritmo da campanha caiu muitíssimo. Levamos 34 dias (24/8-27/9) para ir de 60% a 70% da população com ao menos uma dose da vacina. Antes disso, porém, levamos 25 dias (9/7-3/8) para ir de 40% a 50% e apenas 21 dias (3-24/8) para ir de 50% a 60%.

A suspensão das medidas restritivas, por sua vez, tem sido rápida e ampla demais. O que só tem favorecido a disseminação do vírus. Não surpreende que a taxa de crescimento no número de novo casos tenha recrudescido (ver a figura que acompanha este artigo).

De resto, ouso dizer que a situação brasileira só não está tão ruim como a dos Estados Unidos por causa do uso mais ou menos generalizado de máscaras por aqui (além de outras medidas não farmacológicas).

5. CODA.

Como eu ressaltei em artigos anteriores, entre as medidas que poderiam reverter a tendência declinante observada recentemente (ver a figura que acompanha este artigo), eu citaria três: (i) suspender ou afrouxar (ainda mais) as barreiras sanitárias impostas em aeroportos; (ii) suspender ou afrouxar (ainda mais) as medidas sanitárias internas (e.g., permitir grandes aglomerações e tornar facultativo o uso de máscara); e (iii) atrasar (ainda mais) a campanha de vacinação [9].

Não custa repetir: Quanto mais gente a circular ou quanto mais lenta for a vacinação, maior será o número de mortes. E mais: maiores serão as chances de que surjam variantes ainda mais infecciosas ou letais.

Em resumo, ainda não é hora de promover uma liberação ampla, geral e irrestrita.

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Vale notar que certos países atualizam suas estatísticas uma única vez ao longo do dia; outros atualizam duas vezes ou mais; e há uns poucos que estão a fazê-lo de modo mais ou menos errático. Acompanho as estatísticas mundiais em dois painéis, Mapping 2019-nCov (Johns Hopkins University, EUA) e Worldometer: Coronavirus (Dadax, EUA).

[2] Os 20 primeiros países da lista podem ser arranjados em seis grupos: (a) Entre 42 e 44 milhões de casos – Estados Unidos; (b) Entre 32 e 34 milhões – Índia; (c) Entre 20 e 22 milhões – Brasil; (d) Entre 6 e 8 milhões – Reino Unido, Rússia, Turquia e França; (e) Entre 4 e 6 milhões – Irã, Argentina, Espanha, Colômbia, Itália, Alemanha e Indonésia; e (f) Entre 2 e 4 milhões – México, Polônia, África do Sul, Filipinas, Ucrânia e Malásia.

Analisando as estatísticas (casos e mortes) das últimas quatro semanas, eis como está a situação mundial: (i) em números absolutos, os EUA seguem na liderança, com 3,659 milhões de novos casos; (ii) a lista dos cinco primeiros tem ainda os seguintes países: Reino Unido (934 mil casos), Índia (825 mil), Turquia (703 mil) e Brasil (581 mil); e (iii) a lista dos países com mais mortes segue sendo encabeçada pelos EUA (52,3 mil); em seguida aparecem Rússia (22,2 mil), México (15,7 mil), Brasil (14,4 mil) e Irã (10,8 mil).

[3] Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado, vols. 1-5 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

[4] Como comentei em ocasiões anteriores, fui levado a promover a seguinte mudança metodológica: as estatísticas de casos e mortes continuam a seguir o painel Mapping 2019-nCov, enquanto as de altas estão agora a seguir o painel Worldometer: Coronavirus.

[5] Ouso dizer que a pandemia chegará ao fim sem que uma boa parte da imprensa brasileira se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, em escala mundial e nacional, ver a referência citada na nota 3.

[6] Entre 19/10/2020 e 26/9/2021, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,40% (26/10-1/11), 0,30% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,50% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,50% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6), 0,4174% (14-20/6), 0,39% (21-27/6), 0,27% (28/6-4/7), 0,2419% (5-11/7), 0,21% (12-18/7), 0,23% (19-25/7), 0,1802% (26/7-1/8), 0,1621% (2-8/8), 0,14% (9-15/8), 0,1444% (16-22/8), 0,1183% (23-29/8), 0,1023% (30/8-5/9), 0,0744% (6-12/9), 0,1625% (13-19/9), 0,0753% (20-26/9) e 0,0775% (27/9-3/10).; e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6), 0,4175% (14-20/6), 0,33% (21-27/6), 0,30% (28/6-4/7), 0,23% (5-11/7), 0,23% (12-18/7), 0,20% (19-25/7), 0,1785% (26/7-1/8), 0,1613% (2-8/8), 0,1492% (9-15/8), 0,1367% (16-22/8), 0,1185% (23-29/8), 0,1062% (30/8-5/9), 0,07870% (6-12/9), 0,0947% (13-19/9), 0,0890% (20-26/9) e 0,0840% (27/9-3/10).

Não custa lembrar: Os valores acima são as médias semanais de uma taxa que, por razões metodológicas, está a oscilar ao longo da semana. Para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.

[7] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver referência citada na nota 3.

[8] Fonte: ‘Coronavirus (COVID-19) Vaccinations’ (Our World in Data, Oxford, Inglaterra).

[9] Como escrevi em ocasiões anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) dependeria de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação.

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