29 maio 2022

Um mapa do Brasil. I. Roraima a inchar, Piauí a murchar?


Felipe A. P. L. Costa [*].

1.

As eleições gerais de outubro se aproximam. Assim como em 2018, a campanha da extrema direita deve se caracterizar por um sem número de armações, calúnias e notícias falsas. (O objetivo é o mesmo: semear desinformação e medo, visando manipular o comportamento de eleitores frágeis e assustados.) No fim das contas, trata-se de uma arapuca bancada por empresas criminosas ou gente de má-fé – e.g., sonegadores (empresários, cantores sertanejos etc.) que vociferam contra a ‘ameaça comunista’, além de tarados e pedófilos (pastores, etc.) que se camuflam em meio a discursos contra a ‘ameaça gay’.

2.

O problema mais geral da desinformação, no entanto, não está restrito a um ou outro segmento da sociedade. Grosserias e barbeiragens são comuns entre nós, mesmo entre profissionais que lidam com a coleta, produção e transmissão de informações (e.g., jornalistas e professores).

Veja a variedade de erros e mal-entendidos advindos da nossa ignorância geográfica. Perguntas do tipo “Onde estou?” e “Onde está concentrada a população brasileira?” nem sempre são bem respondidas pelo cidadão médio. Exagero? Pois vá para a rua. Escolha alguém (e.g., um almofadinha de academia ou uma dondoca de shopping), mostre um mapa do país e peça a ele(a) que aponte para o estado onde vive. Suspeito que muitos dos entrevistados não saberão o que fazer. E mais: arrisco dizer que os erros serão ainda mais grosseiros se as perguntas passarem a envolver outros estados – e.g., “Por gentileza, aponte para a capital do país”.

3.

Dias atrás, ouvi dois conceituados jornalistas (em dois diferentes canais no YouTube) sustentando algo do tipo “O estado do Rio de Janeiro é o segundo maior colégio eleitoral do país”. Acendi o sinal amarelo e, desde então, passei a prestar mais atenção aos comentários demográficos em torno das próximas eleições. A situação é preocupante... Ao que parece, os exemplos que flagrei são apenas a ponta de um imenso iceberg [1]. No restante deste artigo, pretendo iniciar uma conversa sobre esse problema.

4.

Primeiro, a geografia. O território brasileiro (8.510.821 km2) está repartido em 27 unidades federativas (26 estados mais o Distrito Federal). Estas, por sua vez, estão arranjadas em cinco regiões geográficas, a saber (entre parêntesis, o número de unidades federativas e o percentual do território do país ocupado por cada região): Norte (7 estados, 45%); Nordeste (9, 18%); Sudeste (4, 11%); Sul (3, 7%); e Centro-Oeste (4, 19%) [2].

5.

Por fim, a demografia. Qual é o tamanho da população brasileira e como ela está distribuída? A rigor, ninguém sabe ao certo. (Pois é, até nisso as coisas pioraram ultimamente.)

Há um pequeno leque de possibilidades. No entanto, mesmo a melhor resposta que temos hoje é mais frágil e imprecisa que a resposta que tínhamos alguns anos atrás. O que de fato temos (ao menos por enquanto) são projeções ancoradas em projeções, em uma sucessão se pressupostos que recua por mais de 10 anos. Não custa lembrar: o último censo (leia-se: contagem direta, detalhada e exaustiva da população residente no país) foi conduzido em 2010 [3]. Disto isto, vamos adotar aqui a estimativa que o IBGE divulgou antes da pandemia: 210.147.125, em 1/7/2019 [4].

6.

Um exame comparativo das projeções demográficas para esses dois anos (2019 e 2021) revela que

(A) – As estimativas mais recentes não são apenas e tão somente uma extrapolação direta das mais antigas, sugerindo que o peso relativo das variáveis demográficas (notadamente o crescimento vegetativo das populações residentes e os fluxos migratórios) variou de acordo com o conhecimento prévio que se tinha sobre cada estado; e

(B) – Entre 2019 e 2021, o crescimento de toda a população brasileira girou em torno de 1,5%.

Em decorrência de (B), caberia acrescentar que

(C) – 16 unidades da federação ficaram acima da média nacional e 11, abaixo;

(D) – Todos os estados das regiões Norte e Centro-Oeste cresceram acima da média;

(E) – Os estados de maior crescimento foram Roraima (7,75%), Amapá (3,77%) e Amazonas (3,03%) – o crescimento acima da média estaria a expressar o fato de que a chegada de migrantes (notadamente em Roraima) teve um peso na demografia local bem maior do que em qualquer outro estado; e

(F) – Os estados de menor crescimento foram Rio Grande do Sul (0,79%), Bahia (0,75%) e Piauí (0,49%) – o crescimento abaixo da média estaria a expressar o fato de que a saída de migrantes (notadamente do Piauí) teve um peso na demografia local bem maior do que em qualquer outro estado.

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NOTAS.

[*] O presente artigo contém material extraído e adaptado do livro A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (em desenvolvimento). (Para mais amostras, ver os artigos Livros, lentes & afins; Por que a Terra é esférica?; Revolução Agrícola, a mãe de todas as revoluções; O que é cultural, afinal?; Subindo uma rampa em espiral; Quem quer ser um cientista?; Finda a lenha, eis o carvão: Como foi mesmo que entramos nessa enrascada?; Do que é feito o Universo?; A terceira via: Algumas notas sobre o método científico; e As origens da política.)

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[1] Já escrevi sobre isso em outros contextos – ver, por exemplo, o artigo Síndrome da geografia preguiçosa, publicado no Observatório da Imprensa, em 3/11/2009.

[2] Os percentuais foram arredondados para o inteiro mais próximo. Eis a lista dos estados que integram cada região (entre parêntesis, a área territorial de cada região): (i) Norte (3.851.281 km2) – Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins; (ii) Nordeste (1.551.992 km2) – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe; (iii) Sudeste (924.565 km2) – Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo; (iv) Sul (576.743 km2) – Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina; e (v) Centro-Oeste (1.606.240 km2) – Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Para detalhes, ver IBGE (2020).

Observe que o estado de Tocantins integra a região Norte, não o Centro-Oeste, como afirmam alguns observadores.

[3] É lamentável, mas é bom lembrar que o governo federal boicotou a realização do censo previsto para 2020. A julgar pelas informações disponíveis (ver aqui), o Censo 2022 terá início em 1/8/2022.

[4] Assim como adotei aqui, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde também está a trabalhar com a estimativa de 2019 (210.147.125). A estimativa mais recente informa que o efetivo populacional teria chegado a 213.317.639, em 1/7/2021. (Não sei se o IBGE irá divulgar alguma estimativa para este ano, visto que teremos o Censo 2022.)

*

REFERÊNCIA CITADA.

+ IBGE. 2020. Anuário estatístico do Brasil. Volume 79: 2019. RJ, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

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