14 julho 2022

Portugal em Paris

Manuel Alegre

Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris.

Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz. Eram cestos
e cestos pelo chão. Pedaços
do meu país.
Restos.
Braços.
Minha pátria sem nada
sem nada
despejada nas ruas de Paris.

E o trigo?
E o mar?
Foi a terra que não te quis
ou alguém que roubou as flores de abril?
Solitário por entre a gente caminhei contigo
os olhos longe como o trigo e o mar.
Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços e mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1970.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker