Fotografia 3 x 4
Belchior
Eu me lembro muito bem do dia em que eu cheguei:
jovem que desce do Norte pra cidade grande,
os pés cansados e feridos de andar légua tirana...
e lágrimas nos olhos de ler o Pessoa e de ver o verde da cana.
Em cada esquina que eu passava um guarda me parava,
pedia os meus documentos e depois sorria,
examinando o 3 x 4 da fotografia
e estranhando o nome do lugar de onde eu vinha.
Pois o que pesa no Norte, pela Lei da Gravidade
(disso Newton já sabia) cai no Sul, grande cidade...
São Paulo violento... Corre o Rio, que me engana:
Copacabana, a Zona Norte, os cabarés da Lapa, onde eu morei.
Mesmo vivendo assim, não esqueci de amar,
que o homem é pra mulher
e o coração pra gente dar.
Mas a mulher, a mulher que eu amei
não pôde me seguir, não.
(Esses casos de familia e de dinheiro
eu nunca entendi bem.)
Veloso, o sol não é tão bonito pra quem vem do Norte e vai viver na rua.
A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia.
E, pela dor, eu descobri o poder da alegria
e a certeza de que tenho coisas novas pra dizer.
A minha história é talvez igual à tua:
jovem que desceu do Norte e que, no Sul, viveu na rua,
e que ficou desnorteado... como é comum no seu tempo...
e que ficou desapontado... como é comum no seu tempo...
e que ficou apaixonado e violento como você.
Eu sou como você, eu sou como você,
eu sou como você, que me ouve agora.
Fonte: álbum Alucinação (1976), de Belchior.
1 Comentários:
Lindo blog, e mais lindo ainda fica com o Bel. Bjus
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