08 fevereiro 2007

Os Lusíadas

Luís de Camões

1.
As Armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

2.
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé [e] o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

3.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

4.
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi[m] um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi[m] vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloq[u]o e corrente,
Porque de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene.

5.
Dai-me ũa fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda:
Que se espalhe e se cante no Universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.

6.
E vós, ó bem na[s]cida segurança
Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade;
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
(Dada ao mundo por Deus, que todo o mande
Pera do mundo a Deus dar parte grande);

7.
Vós, tenro e novo ramo flore[s]cente,
De ũa árvore, de Cristo mais amada
Que nenhũa na[s]cida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada
(Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que Ele pera Si na cruz, tomou);

8.
Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
O Sol, logo em na[s]cendo, vê primeiro;
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando de[s]ce o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco Oriental e do Gentio
Que inda bebe o licor do santo Rio:

9.
Inclinai por um pouco a majestade
Que nesse tenro gesto vos contemplo,
Que já se mostra qual na inteira idade,
Quando subindo ireis ao eterno Templo;
Os olhos da real benignidade
Ponde no chão: vereis um novo exemplo
De amor dos pátrios feitos valerosos,
Em versos divulgado numerosos.

10.
Vereis amor da pátria, não movido
De prémio vil, mas alto e quase eterno;
Que não é prémio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor superno,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
(...)

Fonte: Camões, L. 2006. Os Lusíadas. SP, Martin Claret. O poema todo compõe-se de 10 cantos (o trecho acima corresponde às 10 primeiras estrofes das 106 que formam o Canto 1) e foi originalmente publicado em 1572.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

com certeza essas estrofes são demais

7/4/11 08:55  
Anonymous hellen disse...

adollo essas estofes alas falam muito sobre a realidadae

7/4/11 08:56  

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