Indez
Bartolomeu Campos de Queirós
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O tempo não perdoou Antônio. Depois de presenciar muitas partidas, chegou também a sua hora. Alguns dias antes, a mãe passou a separar suas roupas. Fazia pequenos cerzidos, ajustava botões, reforçava bainhas das calças – agora compridas –, reparava meias com ovo de madeira. Depois, com linha fina, bordou em cada peça a letra A. Entre uma coisa e outra, sugeria frases: “Não vá deixar de mandar notícias. Tem sempre um portador. Um recadinho de nada já alivia”. “Vou mandar uns doces de vez em quando”. “Seu avô vai gostar. Anda tão sozinho naquela casa grande”.
O pai, para quebrar o silêncio do menino, brincava de noves-fora, de cantar a tabuada, de falar as capitais do Brasil para Antônio dizer os estados.
No último dia de aula, a professora, com o mesmo carinho do primeiro dia, lhe disse: “Só posso ensinar até aqui, o resto tem que ser em outra escola. Não tenha medo. Preste bem atenção. Estude os pontos que você sabe menos. Faça tudo sem pressa. Pense antes. Vou ter saudade suas, mas a Ana vai ficar comigo e sei que me dará notícias”.
Antônio passou a noite sem dormir. Sentiu o cheiro das lamparinas se apagando, pios de pássaros perdidos, galo acordando a madrugada. Enrolado em sua cama, pensou em desnascer, lentamente, para não causar pesares.
Na boléia do caminhão, partiu Antônio com o pai. Beijou a mão da mãe, abraçou cada irmão sem dizer uma palavra. Sofria. Era uma dor que só o choro poderia curar, mas não queria chorar para ninguém sofrer junto.
Foram em silêncio caminho afora. De vez em quando o pai lhe passava o rabo dos olhos, sem falar ou perguntar nada. E tudo ia ficando para trás: o gado, os córregos, as pontes, as cercas, as árvores. O caminhão comia a estrada, cobrindo seu rosto com poeira para apagar a volta.
O silêncio era forte, como verdadeira era a saudade já sentida de tudo que ia ficando. E, cada vez mais, o desconhecido ficava mais perto e mais longe.
Chegaram à casa do avô. Antônio desceu, pediu a benção e ficou sem curiosidade de entrar até a cozinha. Sabia que há muito sua avó não vivia. Foi para o seu quarto imenso e deixou sobre a cama, lá no fundo, a sua mala. O resto estava cheio de vazio.
O pai não queria viajar durante a noite e partiu rápido. Abraçaram-se apertado. Os olhos do pai embaçaram. Ele olhou para o filho e disse:
– Acho que estou gripado.
– Eu também – compreendeu o menino.
[...]
Fonte: Queirós, B. C. 2004. Indez. SP, Global.
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