20 fevereiro 2007

Terra e paz

xenïa antunes

Nesta terra não tenho saudade de lugar nenhum
nem quero voltar para o senso comum.
Quero a flor plantada crescendo sem vaidade
o horizonte escancarado prometendo sossego
e a ignorância das voltas que o mundo dá.
Quero a displicência camponesa
um suor no rosto e o olhar
de quem já sabe a hora de cortejar o sol.
Quero a terra sem ciência
e em que se plantando tudo dá
– o milho, o trigo, o feijão
as folhas de chá, os legumes
as verduras mais verdes de leviana esperança.
Quero esta terra
assim cercada só de carinho
sem dono
sem certidão
nem nome de latifúndio:
a terra assim não possuída
e mais que amada,
querida,
tratada por mãos piedosas
com o jeito humilde que semeia
e faz promessa
e cumpre
e não negocia propriedade.
Quero a terra assim permitida a tanta gente –
quero, pois, a terra toda
doada livremente
sem acusação de posseiro ou fazendeiro,
sem briga de índio, branco fardado ou civil.
Quero a terra assim permitida a toda gente
para lhe fazer chover necessário
colorir de dourado seu cheiro molhado
para lhe poupar.
Quero a terra no cio por toda gente
para que nos sustente então
aqui e no fim.
Por mim, quero a terra em liberdade
porque não sou senhor
e na terra e nesta terra serei sempre terra.
Porque no mar serei o mar que trará vento e água
e decidirá o tempo das colheitas.
E no ar serei o ar que cuidará
que terra e gente saibam se amar.

Fonte: poema republicado aqui com o consentimento da autora, a quem agradeço pela cortesia.

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