10 maio 2007

Enfrentando a escassez

Sandra Postel

A escassez da água, caracteristicamente, invoca visões de seca, os períodos secos que a natureza impõe de tempos em tempos. Mas, enquanto as secas tomam o espaço das manchetes dos jornais e prendem nossa atenção, a ameaça muito maior representada pelo nosso consumo crescente de água continua, em grande medida, passando despercebida.

Sinais de esgotamento dos recursos hídricos são abundantes. Lençóis freáticos estão declinando, lagos estão minguando e as terras inundáveis desaparecem. Engenheiros se propõem “resolver” os problemas hídricos construindo esquemas cada vez mais gigantescos de desvios de rios, a preços exorbitantes e com efeitos ambientais nocivos. Nos arredores de Pequim, de Nova Deli, de Phoenix e de outras cidades carentes de água está fermentando uma competição entre os moradores urbanos e os agricultores que reivindicam o mesmo suprimento limitado. E as populações do Oriente Médio têm escutado mais de um de seus líderes bradar sobre a possibilidade de guerra em conseqüência da escassez de água.
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Um dos mais nítidos sinais de escassez de água é o número cada vez maior de países nos quais a população ultrapassou o nível de vida que pode ser sustentado confortavelmente com a água disponível. Como regra prática, os hidrologistas definam países com esgotamento hídrico aqueles cujos suprimentos anuais situam-se em mil e dois mil metros cúbicos por pessoa. Quando a cifra cai abaixo de mil metros cúbicos [...], as nações são consideradas escassas em água – isto é, a carência de água torna-se uma grave restrição à produção de alimentos, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos sistemas naturais.
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Com a agricultura reivindicando dois terços de toda a água removida de rios, de lagos, de riachos e dos depósitos de água subterrânea, tornar a irrigação mais eficiente é prioridade máxima do movimento em direção a um uso mais sustentável da água. [...] Reduzir as necessidades de irrigação em cerca de um décimo, por exemplo, liberaria água suficiente para quase duplicar o uso doméstico de água em todo o mundo.
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A fabricação de inúmeros produtos que usamos em nossa vida diária – desde roupas e computadores até papel, plásticos e televisores – exige copiosas quantidades de água. A produção de um quilo de papel pode chegar a exigir 700 quilos de água. E a fabricação de uma tonelada de aço pode demandar 280 toneladas de água.
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Casas, apartamentos, pequenos negócios e outras empresas urbanas respondem por menos de um décimo do uso total de água em todo o mundo. Mas suas demandas são concentradas em áreas geográficas relativamente pequenas e, em muitos casos, avolumam-se rapidamente. À medida que as cidades se expandem, elas sujeitam a forte tensão à capacidade das massas de água locais e forçam os técnicos a recorrer a fontes cada vez mais distantes.

Além disso, os reservatórios, os canais, as estações de bombeamento, os encanamentos, os esgotos e as instalações de tratamento que constituem um moderno sistema de saneamento e de tratamento de água usada requerem enormes somas de dinheiro para ser construídos e mantidos. A coleta e o tratamento da água primária e da usada também requerem grandes quantidades de energia e de produtos químicos, aumentando a poluição do meio ambiente e os custos globais do sistema hídrico de uma comunidade. Sujeitas a tais embaraços, muitas cidades estão tendo dificuldades para satisfazer as necessidades de água de habitantes, e grande número de famílias de baixa renda nos países em desenvolvimento não têm acesso a nenhum serviço de água.

Fonte: Postel, S. 1993. Enfrentando a escassez de água. In: L. R. Brown, org. Qualidade de vida, 1993: Salve o planeta!, p. 47-63. SP, Globo.


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