A mais suave
Henriqueta Lisboa
Por milagre, a flor mais suave,
não a colheram os ventos.
Ficou na haste toda a noite,
trêmula e alta sob a chuva.
Quando foi de madrugada,
o jardim pasmou:
suas corolas jaziam
sobre a terra umedecida;
uma entretanto, a mais suave,
sustinha-se contra a aragem.
As outras flores por terra,
dálias, papoulas, crisântemos,
– ruivas cabeças – plasmavam
seus espasmos derradeiros:
mártires decapitados,
magdalas em desespero.
Nas fúrias espirituais
e nas ardências do sangue
dir-se-ia que estavam vivas.
Entretanto a flor mais suave,
como que ausente do mundo
na sua pureza lívida,
era um pequeno cadáver
que todo o jardim chorava.
Fonte: Lisboa, H. 2001. Melhores poemas. SP, Global. Poema originalmente publicado em 1941.
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