25 setembro 2007

A mais suave

Henriqueta Lisboa

Por milagre, a flor mais suave,
não a colheram os ventos.
Ficou na haste toda a noite,
trêmula e alta sob a chuva.

Quando foi de madrugada,
o jardim pasmou:
suas corolas jaziam
sobre a terra umedecida;
uma entretanto, a mais suave,
sustinha-se contra a aragem.

As outras flores por terra,
dálias, papoulas, crisântemos,
– ruivas cabeças – plasmavam
seus espasmos derradeiros:
mártires decapitados,
magdalas em desespero.

Nas fúrias espirituais
e nas ardências do sangue
dir-se-ia que estavam vivas.
Entretanto a flor mais suave,
como que ausente do mundo
na sua pureza lívida,
era um pequeno cadáver
que todo o jardim chorava.

Fonte: Lisboa, H. 2001. Melhores poemas. SP, Global. Poema originalmente publicado em 1941.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker