14 novembro 2007

As raízes da intimidade

Desmond Morris

Como ser humano adulto, você pode se comunicar comigo de várias maneiras. Eu posso ler o que você escreve, posso ouvir as palavras que você diz, ouvir o seu riso e o seu choro, olhar para a expressão de seu rosto, perceber os gestos que você faz, cheirar o perfume que você usa, e sentir o seu abraço. Em linguagem comum poderíamos nos referir a essas interações como “travar contato”, ou “manter-se em contato”, e no entanto apenas a última da lista envolve contato corporal. Todas as outras operam à distância. O uso de palavras como “contato” e “toque” com referência a atividades como escrever, vocalizar e fazer sinais é, se considerado objetivamente, estranho e pouco revelador. É como se estivéssemos automaticamente aceitando que o contato corporal é a mais básica das formas de comunicação.

Há outros exemplos disso. Por exemplo, freqüentemente nos referimos a “experiências marcantes”, “cenas tocantes” ou “sentimentos feridos”, e falamos de um orador que sabe “prender os ouvintes”. Em nenhum desses casos há verdadeiro ato físico de marcar, tocar, sentir ou prender, mas isso não parece ter importância. O uso de metáforas de contato físico fornece um meio satisfatório de expressar várias emoções em contextos diferentes.

A explicação é bastante simples. Na primeira infância, antes que pudéssemos falar ou escrever, o contato corporal era um tema dominante. A interação física direta com a mãe era a coisa mais importante e deixou sua marca. Bem mais cedo, dentro do útero, antes que pudéssemos ver ou cheirar, muito menos falar ou escrever, era um elemento ainda mais poderoso em nossas vidas. Se pudéssemos entender as maneiras curiosas e freqüentemente inibidoras pelas quais estabelecemos contato físico com outro adulto, teríamos que começar pelo retorno às nossas origens, quando não passávamos de embriões dentro dos corpos de nossas mães. São as intimidades do útero, que raras vezes levamos em consideração, que nos ajudarão a compreender as intimidades da infância, que tendemos a ignorar porque as consideramos tão óbvias; e são as intimidades da infância, reexaminadas e revistas, que nos ajudarão a explicar as intimidades da vida adulta, que muitas vezes nos confundem, intrigam e embaraçam.

As primeiríssimas impressões que recebemos como seres vivos devem ser sensações de íntimo contato corporal, como quando flutuamos aconchegados dentro da protetora parede do útero materno. A principal contribuição ao sistema nervoso em desenvolvimento nesse estágio, portanto, toma a forma de várias sensações de tato, pressão e movimento. Toda a superfície da pele do feto é banhada pelo morno líquido uterino da mãe. À medida que a criança cresce e seu corpo pressiona com mais força os tecidos da mãe, o suave abraço envolvente do útero torna-se gradualmente mais forte, apertando-se mais a cada semana que passa. E durante todo esse período a criança em crescimento está sujeito às várias pressões da respiração rítmica dos pulmões da mãe, e a um movimento suave, regular, de oscilação, toda vez que a mãe caminha.
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Fonte: Morris, D. 1974. Comportamento íntimo. RJ, Jose Olympio.

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