A conexão Hiroshima
Robert Jay Lifton
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Nós todos certamente temos desejos semelhantes. A necessidade de deixar vestígios é parte da aspiração universal pela continuidade e integração, pela imortalidade simbólica. Mas para os sobreviventes de Hiroshima, os vestígios que se tenta deixar – o meio de se atingir aquilo que eu chamo de “a conexão Hiroshima” – é, acima de tudo, a história de vivência do extermínio nuclear. Esta história, ou interpretação, da veracidade da experiência da bomba atômica é o bem precioso que eles possuem. Eles e outros percebem o valor universal deste bem, mas para os hibakusha o seu potencial de integração à humanidade (e mesmo reconhecimento) é inseparável de algo que é próximo à dor absoluta. A própria combinação, como um sobrevivente me explicou há algum tempo, cria uma nova fonte de humilhação: “Eu sempre digo: se alguém olha para mim porque eu ganhei o Prêmio Nobel, tudo bem; mas se minha única virtude é ter estado a mil metros do centro da bomba atômica e ainda estar vivo, eu não quero ficar famoso por isso”. Aos riscos desta dupla lembrança histórica e sua dupla humilhação, deve-se acrescentar o risco da repetição e da “encenação” quando se conta a história. A veracidade tão desesperadamente buscada (e evitada) torna-se tão difícil de recriar quanto é grande o seu valor. O processo é mantido pela necessidade do sobrevivente de encontrar um significado para o seu contato com a morte, por um lado, e pela necessidade que o mundo tem da história de Hiroshima, por outro – sendo que esta última necessidade é sempre expressa de forma ambivalente, temerosa e negativa. Será que já houve uma memória histórica tão complexa e difícil na interpretação do que seja os “vestígios”?
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Fonte: Lifton, R. J. 1989. O futuro da imortalidade. SP, Trajetória Cultural.
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