O silêncio e o ódio
Luís Forjaz Trigueiros
Estavam ao lado um do outro, silenciosos, evitando olhar-se – mas os olhos encontravam-se longe, no mesmo ponto anónimo que servia de horizonte a ambos. A ambos, que fugiam doutro qualquer horizonte.
Estavam silenciosos, mas tudo falava, afinal, nesse silêncio aparente. Decerto àquela hora discreta da tarde, tudo era silêncio em torno deles. Mas silêncio falso, que se desmascarava no agitar tranqüilo das ramagens das árvores, no grito distante duma ave, na própria calma soalhenta daquela tarde de Inverno. E até o próprio sol fugia devagar, decerto para não quebrar o tal silêncio que tudo se apostava em manter. Silêncio nas coisas e no espaço; silêncio, até, no arrastar daquela canção que dois cegos choravam lá embaixo, junto à entrada.
O homem e a mulher estavam sentados havia talvez meia hora, havia talvez muitos anos. Nenhum dos dois sabia há quanto tempo durava aquele grande silêncio. Era como se tivessem estado sempre sentados naquele mesmo banco, calados e sem coragem para se fitarem um no outro, a ouvirem, na calma do entardecer, as notas desafinadas da música dos cegos que passavam, lá embaixo, não sabiam se muito perto ou muito longe.
[...]
Fonte: Trigueiros, L. F. 1988. As horas extraordinárias. RJ, Nova Fronteira.
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