A grande muralha da China
Franz Kafka
A grande muralha da China estava terminada no seu extremo norte. De sueste a sudoeste subia em duas secções, que acabavam por se unir ali. Este princípio da construção parcial era também aplicado numa escala de menor dimensão pelos dois grandes exércitos de trabalhadores, o de leste e o de oeste. Era feito do seguinte modo: formavam-se grupos de uns vinte trabalhadores, que tinham de realizar uma extensão, digamos, de uma quinhentas jardas de muralha, enquanto um grupo semelhante construía uma faixa do mesmo comprimento, para se encontrar com a primeira. Mas, depois de se encontrarem, não se continuava a partir do ponto onde terminavam estas mil jardas; em vez disso, os dois grupos de trabalhadores eram transferidos para paragens bastante diferentes, para recomeçarem a construir aí. Naturalmente que com este sistema foram sendo deixadas muitas brechas grandes, que só eram preenchidas gradualmente e pouco a pouco, algumas até, na verdade, só depois de se ter dado por terminada oficialmente a construção da muralha. Com efeito, conta-se que existem lacunas que nunca foram sequer preenchidas, uma afirmação, contudo, que provavelmente não passará de uma das muitas lendas a que a construção da muralha deu origem, e que não pode ser confirmada, pelo menos por uma só pessoa com os seus próprios olhos e juízo crítico, devido à extensão da estrutura.
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Fonte: Kafka, F. 1976. A grande muralha da China. Lisboa, Publicações Europa-América. Texto originalmente publicado em 1917.
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