13 abril 2009

O homem que sabia javanês

Lima Barreto

Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro contava eu as partidas que havia pregado às convicções e às respeitabilidades para poder viver.

Houve mesmo uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava eu isso.

O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até que, em uma pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo:

– Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo!

– Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho agüentado lá, no consulado!

– Cansa-se; mas, não é isso que me admiro. O que me admira é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.

– Qual! Aqui mesmo, meu caro Castro, se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês!

– Quando? Aqui, depois que voltaste do consulado?

– Não; antes. E, por sinal, fui nomeado cônsul por isso.

– Conta lá como foi. Bebes mais cerveja?

– Bebo.
[...]

Fonte: Mello, M. A., org. 2003. Nossas palavras. RJ, José Olympio. Conto originalmente publicado em 1911.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker