27 julho 2009

Por que é que as coisas se desarrumam?

Gregory Bateson

Filha: Papá, por que é que as coisas se desarrumam?

Pai: O que queres dizer com isso? Coisas? Se desarrumam?

Filha: Bem, as pessoas gastam muitíssimo tempo a arrumar coisas, mas nunca parecem que gastem tempo a desarrumá-las. As coisas parece que se desarrumam por si próprias. E depois as pessoas têm de as arrumar outra vez.

Pai: Mas as coisas desarrumam-se se tu não lhes tocares?

Filha: Não, não se ninguém lhes tocar. Mas se tu lhes tocares – ou se alguém lhes tocar –, elas desarrumam-se ainda mais se não for eu a tocar-lhes.

Pai: Pois é! É por isso que eu bem tento evitar que mexas nas coisas da minha secretária. Porque as minhas coisas ficam ainda mais desarrumadas se alguém que não seja eu lhes mexer.

Filha: Mas as pessoas desarrumam sempre as coisas das outras pessoas? Por que é que fazem isso, pai?

Pai: Bem, espera um pouco. Não é assim tão simples. Primeiro que tudo, que queres dizer com ‘desarrumar’?

Filha: Quero dizer que não consigo encontrar as coisas e, portanto, parece tudo desarrumado. É como quando não está nada no lugar certo.

Pai: Bom, mas tens a certeza de que com ‘desarrumado’ queres dizer o mesmo que qualquer outra pessoa?

Filha: Mas, pai, claro que tenho a certeza, porque não sou uma pessoa muito arrumada e, se eu disser que as coisas estão desarrumadas, bom, tenho a certeza de que toda a gente concorda comigo.

Pai: Pronto, está bem, mas achas que queres dizer o mesmo com ‘arrumado’ que as outras pessoas? Se a mãe arrumar as tuas coisas, sabes encontra-las?

Filha: Bem... algumas vezes, porque, sabes, eu sei onde ela põe as coisas quando faz arrumações.
[...]

Fonte: Bateson, G. 1989 [1972]. Metadiálogos. Lisboa, Gradiva.

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