03 fevereiro 2010

História da inteligência brasileira

Wilson Martins

A história da inteligência brasileira começa em 1550, quando o Pe. Leonardo Nunes inicia os estudos rudimentares de Latim no Colégio dos Meninos de Jesus, em São Vicente. Quase simultaneamente, informa o Pe. Serafim Leite, que continua a ser a fonte incomparável em tudo o que se refere à missão jesuítica no Brasil, outras classes se abriram, na Bahia, no Espírito Santo e em Pernambuco; a estes núcleos elementares, seguiram-se “na Bahia, em 1553 e em São Paulo em 1554, Classes e depois Colégios propriamente ditos, a que logo se juntou o do Rio de Janeiro, quando se erigiu a cidade no Morro do Castelo (1557); e assim sucessivamente, até aos dois extremos do Brasil, com o Colégio do Pará ao Norte, e o da Colônia do Sacramento ao Sul, no Rio da Prata. Durante longos anos, o ensino público de Humanidades só se ministrou nos Pátios da Companhia de Jesus”.

Esses dados revelam desde logo algumas singularidades interessantes: é apenas na segunda metade do século XVI que o país começa a ter alguma vida intelectual, mas, quando isso ocorre, percebe-se claramente um plano instintivo de conquista espiritual, refletido na concomitância com que se instalam os colégios e na sua estratégica disseminação geográfica. Assim, desde o primeiro momento, o Brasil procurava vencer as tendências fragmentadoras do território imenso por meio da unidade de cultura: eis um país, mais do que qualquer outro, que sempre manifestou, de maneira por certo acidental, mas inequívoca, a sua “vontade de ser uma nação” (para lembrar o título célebre de Julien Benda). Certo, a “conquista espiritual”, em perspectivas jesuíticas, só podia ser entendida e aceita “ad majorem Dei Gloriam” – e, de fato, o ensino que ministravam e ministraram, se é verdade que se pode qualificar de “humanístico”, não é menos evidente que rejeitava, por definição, tudo o que pudesse ser tido por profano. E essa é a grande contradição interior do “renascimento” jesuítico, que começava por repudiar a própria razão de ser do movimento de idéias conhecido por esse nome. Num processo dialético de extrema sutileza, a Companhia de Jesus assimilou a orientação cultural do Renascimento na linha de uma empresa renovada de sobrevivência medieval: a Contra-Reforma tinha de ser, forçosamente, no século XVI, um projeto anti-renascentista, conforme a história do erasmismo na península Ibérica poderia abundantemente comprovar. Não é sem fundos motivos psicológicos e simbólicos que o único fundador português da Companhia de Jesus, o Pe. Simão Rodrigues, é também o implacável e encarniçado denunciador de Damião de Góis perante os tribunais da Inquisição; não é sem razão, tampouco, que as primeiras manifestações “literárias” na Colônia, os autos do Pe. José de Anchieta, se definem como simples restaurações – estética e historicamente anacrônicas, mas culturalmente sincrônicas – do teatro medieval.
[...]

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 1, 3ª edição. SP, Cultrix & Edusp.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Excelentíssimo Blog!!! É extamente o tipo de blog que a muito tempo venho procurando,parabéns pela iniciativa.

4/2/10 16:48  

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