19 abril 2010

De profundis

Georg Trakl

Há um restolhal, em que cai chuva negra.
Há uma árvore castanha, que ali se ergue solitária.
Há um vento sibilante, que rodeia cabanas vazias –
Que triste este anoitecer.

Passando pela aldeola
A órfã suave colhe ainda espigas escassas.
Seus olhos pascem redondos e áureos no crepúsculo
E o seu ceio espera o noivo celestial.

Ao regressar a casa
Acharam os pastores o doce corpo
Apodrecido no espinheiro.

Sou uma sombra longe de aldeias escuras.
A mudez de Deus
Bebi-a eu no poço do bosque.

Na minha testa calca metal frio.
Aranhas buscam o meu coração.
Há uma luz, que se apaga na minha boca.

De noite encontrei-me numa charneca,
Repleta de imundície e de pó das estrelas.
Na avelaneira
Soavam de novo anjos de cristal.

Fonte: Quintela, P. 1998. Obras completas, vol. 3. Lisboa, Calouste Gulbenkian. Poema publicado em livro em 1913.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker