Aves de arribação
Casto Alves
1.
Era o tempo em que as ágeis andorinhas
Consultam-se na beira dos telhados,
E inquietas conversam, perscrutando
Os pardos horizontes carregados...
Em que as rolas e os verdes periquitos
Do fundo do sertão descem cantando...
Em que a tribo das aves peregrinas
Os Zíngaros do céu formam-se em bando!
Viajar! Viajar! A brisa morna
Traz de outro clima os cheiros provocantes.
A primavera desafia as asas,
Voam os passarinhos e os amantes!...
2.
Um dia Eles chegaram. Sobre a estrada
Abriram à tardinha as persianas;
E mais festiva a habitação sorria
Sob os festões das trêmulas lianas.
Quem eram? Donde vinham? – Pouco importa
Quem fossem da casinha os habitantes.
– São noivos; – as mulheres murmuravam!
E os pássaros diziam: – São amantes – !
Eram vozes – que uniam-se co’as brisas!
Eram risos – que abriam-se co’as flores!
Eram mais dois clarões – na primavera!
Na festa universal – mais dous amores!
Astros! Falai daqueles olhos brandos,
Trepadeiras! Falai-lhe dos cabelos!
Ninhos d’aves! Dizei, naquele seio,
Como era doce um pipilar d’anelos.
Sei que ali se ocultava a mocidade...
Que o idílio cantava noite e dia...
E a casa branca à beira do caminho
Era o asilo do amor e da poesia.
Quando a noite enrolava os descampados,
O monte, a selva, a choça do serrano,
Ouviam-se, alongando à paz dos ermos,
Os sons doces, plangentes de um piano.
Depois suave, plena, harmoniosa
Uma voz de mulher se alevantava...
E o pássaro inclinava-se das ramas
E a estrela do infinito se inclinava.
E a voz cantava o tremolo medroso
De uma ideal sentida barcarola...
Ou nos ombros da noite desfolhava
As notas petulantes da Espanhola!
3.
Às vezes, quando o sol nas matas virgens
A fogueira das tardes acendia,
E como a ave ferida ensangüentava
Os píncaros da longa serrania,
Um grupo destacava-se amoroso,
Tendo por tela a opala do infinito,
Dupla estátua do amor e mocidade
Num pedestal de musgos e granito.
E embaixo o vale a descantar saudoso
Na cantiga das moças lavadeiras!...
E o riacho a sonhar nas canas bravas.
E o vento a s’embalar nas trepadeiras.
Ó crepúsculos mortos! Voz dos ermos!
Montes azuis! Sussurros da floresta!
Quando mais vós tereis tantos afetos
Vicejando convosco em vossa festa?...
E o sol poente inda lançava um raio
Do caçador na longa carabina...
E sobre a fronte d’Ela por diadema
Nascia ao longe a estrela vespertina.
4.
É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta...
Além, sob as cortinas transparentes,
Ela dorme... formosa Julieta!
Entram pela janela quase aberta
Da meia-noite os preguiçosos ventos
E a lua beija o seio alvinitente
– Flor que abrira das noites aos relentos.
O Poeta trabalha!... A fronte pálida
Guarda talvez fatídica tristeza...
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Tendo por musa – o amor e a natureza!
E como o cáctus desabrocha a medo
Das noites tropicais na mansa calma,
A estrofe entreabre a pétala mimosa
Perfumada da essência de sua alma.
No entanto Ela desperta... num sorriso
Ensaia um beijo que perfuma a brisa...
... A Casta-diva apaga-se nos montes...
Luar de amor! acorda-te, Adalgisa!
5.
Hoje a casinha já não abre à tarde
Sobre a estrada as alegres persianas.
Os ninhos desabaram... no abandono
Murcharam-se as grinaldas de lianas.
Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes?
... A Primavera, que arrebata as asas...
Levou-lhe os passarinhos e os amantes!...
Fonte: Alves, C. 1990. Poemas, 8ª edição. RJ, Agir. Poema publicado em livro em 1870.
Pensava em ti nas horas de tristeza,
Quando estes versos pálidos compus,
Cercavam-me planícies sem beleza,
Pesava-me na fronte um céu sem luz.
Ergue este ramo solto no caminho
Sei que em teu seio asilo encontrará.
Só tu conheces o secreto espinho
Que dentro d’alma me pungindo está.
Fagundes Varela
Aves, é primavera! à rosa! à rosa!
Tomás Ribeiro
Quando estes versos pálidos compus,
Cercavam-me planícies sem beleza,
Pesava-me na fronte um céu sem luz.
Ergue este ramo solto no caminho
Sei que em teu seio asilo encontrará.
Só tu conheces o secreto espinho
Que dentro d’alma me pungindo está.
Fagundes Varela
Aves, é primavera! à rosa! à rosa!
Tomás Ribeiro
1.
Era o tempo em que as ágeis andorinhas
Consultam-se na beira dos telhados,
E inquietas conversam, perscrutando
Os pardos horizontes carregados...
Em que as rolas e os verdes periquitos
Do fundo do sertão descem cantando...
Em que a tribo das aves peregrinas
Os Zíngaros do céu formam-se em bando!
Viajar! Viajar! A brisa morna
Traz de outro clima os cheiros provocantes.
A primavera desafia as asas,
Voam os passarinhos e os amantes!...
2.
Um dia Eles chegaram. Sobre a estrada
Abriram à tardinha as persianas;
E mais festiva a habitação sorria
Sob os festões das trêmulas lianas.
Quem eram? Donde vinham? – Pouco importa
Quem fossem da casinha os habitantes.
– São noivos; – as mulheres murmuravam!
E os pássaros diziam: – São amantes – !
Eram vozes – que uniam-se co’as brisas!
Eram risos – que abriam-se co’as flores!
Eram mais dois clarões – na primavera!
Na festa universal – mais dous amores!
Astros! Falai daqueles olhos brandos,
Trepadeiras! Falai-lhe dos cabelos!
Ninhos d’aves! Dizei, naquele seio,
Como era doce um pipilar d’anelos.
Sei que ali se ocultava a mocidade...
Que o idílio cantava noite e dia...
E a casa branca à beira do caminho
Era o asilo do amor e da poesia.
Quando a noite enrolava os descampados,
O monte, a selva, a choça do serrano,
Ouviam-se, alongando à paz dos ermos,
Os sons doces, plangentes de um piano.
Depois suave, plena, harmoniosa
Uma voz de mulher se alevantava...
E o pássaro inclinava-se das ramas
E a estrela do infinito se inclinava.
E a voz cantava o tremolo medroso
De uma ideal sentida barcarola...
Ou nos ombros da noite desfolhava
As notas petulantes da Espanhola!
3.
Às vezes, quando o sol nas matas virgens
A fogueira das tardes acendia,
E como a ave ferida ensangüentava
Os píncaros da longa serrania,
Um grupo destacava-se amoroso,
Tendo por tela a opala do infinito,
Dupla estátua do amor e mocidade
Num pedestal de musgos e granito.
E embaixo o vale a descantar saudoso
Na cantiga das moças lavadeiras!...
E o riacho a sonhar nas canas bravas.
E o vento a s’embalar nas trepadeiras.
Ó crepúsculos mortos! Voz dos ermos!
Montes azuis! Sussurros da floresta!
Quando mais vós tereis tantos afetos
Vicejando convosco em vossa festa?...
E o sol poente inda lançava um raio
Do caçador na longa carabina...
E sobre a fronte d’Ela por diadema
Nascia ao longe a estrela vespertina.
4.
É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta...
Além, sob as cortinas transparentes,
Ela dorme... formosa Julieta!
Entram pela janela quase aberta
Da meia-noite os preguiçosos ventos
E a lua beija o seio alvinitente
– Flor que abrira das noites aos relentos.
O Poeta trabalha!... A fronte pálida
Guarda talvez fatídica tristeza...
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Tendo por musa – o amor e a natureza!
E como o cáctus desabrocha a medo
Das noites tropicais na mansa calma,
A estrofe entreabre a pétala mimosa
Perfumada da essência de sua alma.
No entanto Ela desperta... num sorriso
Ensaia um beijo que perfuma a brisa...
... A Casta-diva apaga-se nos montes...
Luar de amor! acorda-te, Adalgisa!
5.
Hoje a casinha já não abre à tarde
Sobre a estrada as alegres persianas.
Os ninhos desabaram... no abandono
Murcharam-se as grinaldas de lianas.
Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes?
... A Primavera, que arrebata as asas...
Levou-lhe os passarinhos e os amantes!...
Fonte: Alves, C. 1990. Poemas, 8ª edição. RJ, Agir. Poema publicado em livro em 1870.
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