O pagador de promessas
Dias Gomes
Primeiro ato
Zé
(Olhando a igreja.) É essa. Só pode ser essa.
Rosa pára também, junto aos degraus, cansada, enfastiada e deixando já entrever uma revolta que se avoluma.
Rosa
E agora? Está fechada.
Zé
É cedo ainda. Vamos esperar que abra.
Rosa
Esperar? Aqui?
Zé
Não tem outro jeito.
Rosa
(Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato.) Estou com bolha d’água no pé que dá medo.
Zé
Eu também. (Num ríctus de dor, despe uma das mangas do paletó.) Acho que os meus ombros estão em carne viva.
Rosa
Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse.
Zé
(Convicto.) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em almofadinhas.
Rosa
Então: se você não falou, podia ter botado; a santa não ia dizer nada.
Zé
Não era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não uso almofadinhas.
Rosa
Não usou porque não deixaram.
Zé
Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra fez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: – Ah, você é o Zé-do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo.
Rosa
Será que você ainda pretende fazer outra promessa depois desta? Já não chega?...
Zé
Sei não... a gente nunca sabe se vai precisar. Por isso, é bom ter sempre as contas em dia.
Ele sobe um ou dois degraus. Examina a fachada da igreja à procura de uma inscrição.
Que é que você está procurando?
Zé
Qualquer coisa escrita... pra gente saber se essa é mesmo a igreja de Santa Bárbara.
Rosa
E você já viu igreja com letreiro na porta, homem?
Zé
É que pode não ser essa.
[...]
Fonte: Gomes, D. 1997 [1959]. O pagador de promessas, 34ª edição. RJ, Bertrand.
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