Ao canto do lume
António Nobre
Novembro. Só! Meu Deus,
que insuportável mundo!
Ninguém, viv'alma... O que farão os mais?
Senhor! a Vida não é um
rápido segundo:
Que longas horas estas
horas! Que profundo
Spleen o d’estas
noites imortais!
Faz tanto frio. (Só de a
ver me gela, a cama...)
Que frio! Olá, Joseph! bota
mais carvão!
E quando todo se
extinguir na áurea chama,
Eu botarei (para que
serve? já não ama...)
Às cinzas brancas, meu vermelho
coração!
Lá fora o vento como um
gato bufa e mia...
Ó pescadores, vai tão bravo o mar!
Cautela... Orçai! Largai
a escota! Ave Maria!
Cheia de Graça... Horror! Mortos! E a água tão fria!...
Que triste ver defuntos a boiar!
Spleen! Que hei-de eu
fazer? Dormir, não tenho sono,
Leva-me a carne a Dor,
desgasta-me o perfil.
Nada há pior que este sonâmbulo
abandono!
Ó meus
Castelos-em-Espanha! Ó meu outono
D’alma! Ó meu
cair-das-folhas, em abril!
A Vida! Horror! Ó vós que
estais no último alento!
Que felizes, sois prestes a partir!
Ó Morte, quero entrar no
teu Recolhimento!...
Oiço bater. Quem é?
Ninguém: um rato... o vento...
Coitado! é o Georges, tísico, a tossir...
Mês de novembro! Mês dos
tísicos! Suando
Quantos, a esta hora, não
se estorcem a morrer!
Vê-se os padres as mãos,
contentes, esfregando...
Mês em que a cera dá mais
e a botica, e quando
Os carpinteiros têm mais
obra p’ra fazer...
Oiço um apito. O trem que
se vai... Engatar-te
Quem me dera o wagon dos sonhos meus!
Lá passa, ao longe.
Adeus! Quisera acompanhar-te...
– Boa viagem! Feliz de
quem vai, de quem parte!
Coitado de quem fica... Adeus! adeus!
Viajar? Ilusão. Todo o planeta
é zero.
Por toda a parte é vil o homem
e bom o céu.
– Américas! Japão!
Índias! Calvário!... Quero
Mas é ir, à Ilha, orar
sobre a cova do Antero
E a Águeda beber água do
Botaréu...
Vi a Ilha loira, o Mar!
Pisei terras de Espanha,
Países raros, Neves, Areais;
Cantando, ao luar, errei
nas ruas da Alemanha,
Armei na França minha
tenda de campanha...
E tédio, tédio, tédio e nada mais!
Que hei-de eu fazer?
Calai essas canções imundas,
Cervejarias do Quartier!
Rezai, rezai!
Paisagem, onde estás? Ó
luar, águas profundas!
Ó choupos, à tardinha,
altivos, mas corcundas,
Tal como aspirações
irrealizáveis, ai!
Não me tortura mais a
Dor. Sou feliz. Creio
Em Deus, n’uma outra vida, além do Ar.
Meus livros dei-os, meu
Filósofo queimei-o:
Agora, trago uma medalha
sobre o seio
Com a qual falo, às noites, ao deitar.
Espiritos! em vão, debalde
por vós clamo:
Por que me abandonais? Ó
almas, vinde a mim!
Às vezes, vindes
consolar-me e não vos chamo,
E, hoje, não… Por quê?
Traço o paralelogramo,
Extingo o lume, apago a
luz: nem mesmo assim!
Ó almas do Outro-mundo! a
minha alma anseia
Pelo luar da lua de Canaã:
Quero passar o além
que para além se alteia,
A nação de que a Terra é
uma pequena aldeia
E um lugarejo a Estrela da Manhã!
(E a chuva cai...) Meu
Deus! Que insuportável mundo!
Viv’alma! (O vento
geme...) O que farão os mais?
Senhor! A Vida não é um
rápido segundo:
Que longas horas estas
horas! Que profundo
Spleen mortal o d’estas
noites imortais!
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