06 agosto 2015

Choupos na luz do Luar

Jaime Cortesão

À beira do Rio, os choupos
Riem baixo de felizes;
Afogam no Ar os topos,
Na veia d’água as raízes.

Quando se inclinam a olhar,
Há Céu, há choupos no fundo...
E exclama o Mundo do Ar:
– Lá na Água há outro Mundo! –

Eco de Água, um choupo diz,
Quando com outro se topa,
A copa: – Eu sou a raiz! –
A raiz: – Eu sou a copa! –

Passa o Rio, vento de Água,
Passa o Vento, rio aéreo,
E os choupos dizem com mágoa:
– Rio ou Vento?!... Ai! que mistério! –

– Onde vais, ó rio d’Ar?
E tu, vento d’Água, aonde? –
Volve-lhe o Rio: – Pro Mar. –
Mas o Vento não responde.

Ai!, lá vem a Tempestade;
E o choupo que o Vento enreda
É um fogo de ansiedade,
Uma verde labareda.

Silêncio! Lá vem a Lua:
Chega um rio à foz da serra,
E agora cai, desagua
E alaga de Luz a Terra.

E, mal o Luar os molha,
Os choupos, na noite calma,
Já não têm ramos, nem folha,
São apenas choupos de Alma.

Trémulos choupos esguios
A quem o Sonho desgarra...
Vão à toa: são navios...
Quebrou-lhes a Noite a amarra...

A Alma afoga a Matéria...
Névoa de choupos flutua…
Ai! que linda selva aérea
Vai da Terra até à Lua...

Os choupos têm um convento,
Onde o Luar é o sino:
Mal rompe, nesse momento
Toca ao serviço divino.

E ei-los rezando orações,
Toda a noite, de mãos postas;
Outros, fitando visões,
Têm as feições descompostas.

Ou sumidos, espectrais,
Curvando os pálidos topos,
Buscam as causas finais
Os metafísicos choupos.

E na calada da noite,
Já tarde, já noite feita,
Se há Poeta que se afoite
A ir ouvi-los de espreita,

Ouve-os falar transcendências
Num delido verbo etéreo,
P’ra além das vãs aparências,
P’ra além do nosso mistério!...

Fonte (oitava estrofe): Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema publicado – com a dedicatória ‘Ao Villa Moura’ – em 1912.

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