Poema do alegre desespero
António Gedeão
Compreende-se que lá para
o ano três mil e tal
ninguém se lembre de um
certo Fernão Barbudo
que plantava couves em
Oliveira do Hospital,
ou da minha virtuosa
tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda
vestida de veludo
sentada num canapé junto
de um vaso com flores.
Compreende-se.
E até mesmo que já
ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio
Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos
a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o
Artaxerxes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das
Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas
encaracoladas que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio
e perdiam o Épiro, e conquistavam o Épiro e perdiam o Lácio,
e passavam a vida inteira
a fazer guerras,
e quando batiam com o pé
no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí
fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as Campanhas de
Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António
Gedeão.
Compreende-se.
Mais império menos
império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo
cemitério,
cacos, cinzas e pó.
Compreende-se.
Lá para o ano três mil e
tal.
E o nosso sofrimento para
que serviu afinal?
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home