Visita ao túmulo materno
Augusto Frederico Schmidt
Este homem parecendo
distraído
Que está ao pé de teu
leito de pedra,
Este ser usado, batido e
contraditório,
É a mesma criatura que
trouxeste a este mundo
E foi ferida e feriu e
foi injustiçada
E praticou injustiças
nesta inglória existência.
Este homem inconsciente
e incerto,
Discutido e
incompreendido,
Este homem no seu outono,
Cujos olhos perderam o
brilho e o calor
E se tornaram apagados e
tristes,
Este desconhecido que
aqui está
E que, por um breve
momento, procurou um abrigo junto à tua ausência,
E que, para disfarçar o
seu medo
Procura apoiar-se nos
seus pobres e terrestres interesses,
Este homem
inqualificável, insaciável e insatisfeito
É aquele mesmo filho teu,
aquele tonto filho a quem embalastes quando saiu da materna sepultura,
É o mesmo ser a quem
deixaste na adolescência
Só o poeta – o que vale
dizer duas vezes só.
É o teu filho, o teu
filho
A quem não reconhecerias,
tão mudado ficou
Desde que o viste pela
última vez;
É a tua caixa de
ressonância, Mãe, que aqui está,
Convencional e estúpido,
com o ar de quem cumpre um dever.
A fronte que se curva,
num gesto comum,
Diante de tua lousa, é a
mesma fronte
Em que pousaram as tuas
inquietas mãos
Para medir as febres da
infância.
É o teu filho que
desejaria que o embalasses nos teus braços de morta,
Mas não ousa pedir-te,
porque é um homem,
Um homem acabado, mas um
homem assim mesmo.
Fonte: Horta, A. B. 2007.
Criadores de mantras. Brasília,
Thesaurus. Poema publicado em livro em 1964.
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