O que são meus versos
Laurindo Rabelo
Se é vate quem acesa a
fantasia
Tem de divina luz na
chama eterna;
Se é vate quem do mundo o
movimento
C’o movimento das canções
governa;
Se é vate quem tem n’alma
sempre abertas
Doces, límpidas fontes de
ternura,
Veladas por amor, onde se
miram
As faces da querida
formosura;
Se é vate quem dos povos,
quando fala,
As paixões vivifica,
excita o pasmo,
E da glória recebe sobre
a arena
As palmas, que lhe
of’rece o entusiasmo;
Eu triste, cujo fraco
pensamento
Do desgosto gelou fatal
quebranto;
Que, de tanto gemer
desfalecido,
Nem sequer movo os ecos
com meu canto;
Eu triste, que só tenho
abertas n’alma
Envenenadas fontes
d’agonia,
Malditas por amor, a quem
nem sombra
De amiga formosura o céu
confia;
Eu triste, que, dos
homens desprezado,
Só entregue a meu mal,
quase em delírio,
Ator no palco estreito da
desgraça,
Só espero a coroa do
martírio;
Vate não sou, mortais;
bem o conheço;
Meus versos, pela dor só
inspirados, –
Nem são versos – menti –
são ais sentidos,
Às vezes, sem querer,
d’alma exalados;
São fel, que o coração
verte em golfadas
Por contínuas angústias
comprimido;
São pedaços das nuvens,
que m’encobrem
Do horizonte da vida o
sol querido;
São anéis da cadeia,
qu’arrojou-me
Aos pulsos a desgraça,
ímpia, sanhuda;
São gotas do veneno
corrosivo,
Que em pranto pelos olhos
me transuda.
Seca de fé, minha alma os
lança ao mundo,
Do caminho que levam
descuidada,
Qual, ludíbrio do vento,
as secas folhas
Solta a esmo no ar planta
mirrada.
Fonte (estrofes 1, 3, 6 e
7): Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 2. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado
em livro em 1853.
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