27 março 2018

O contrato natural

Michel Serres

Dois inimigos brandindo bastões lutam, em areias movediças. Atento às táticas do outro, cada um responde golpe a golpe e dá a sua réplica à esquiva. Fora da moldura do quadro, nós, espectadores, observamos a simetria dos gestos no decorrer do tempo: que espetáculo magnífico – e banal!

O pintor – Goya – enfiou os duelistas até os joelhos na lama. A cada movimento, um buraco viscoso os engole de modo que eles se enterrem juntos, aos poucos. Em que ritmo? Depende de sua agressividade: quanto mais quente a luta, mais vivos e secos os movimentos que aceleram o enterramento gradual. Os beligerantes não adivinham o abismo em que se precipitam: ao contrário, de fora, nós o enxergamos muito bem.
[...]

Fonte: Serres, M. 1991. O contrato natural. RJ, Nova Fronteira.

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