O contrato natural
Michel Serres
Dois inimigos brandindo bastões lutam, em areias movediças. Atento às
táticas do outro, cada um responde golpe a golpe e dá a sua réplica à esquiva.
Fora da moldura do quadro, nós, espectadores, observamos a simetria dos gestos
no decorrer do tempo: que espetáculo magnífico – e banal!
O pintor – Goya – enfiou os duelistas até os joelhos na lama. A cada
movimento, um buraco viscoso os engole de modo que eles se enterrem juntos, aos
poucos. Em que ritmo? Depende de sua agressividade: quanto mais quente a luta,
mais vivos e secos os movimentos que aceleram o enterramento gradual. Os
beligerantes não adivinham o abismo em que se precipitam: ao contrário, de
fora, nós o enxergamos muito bem.
[...]
Fonte: Serres, M. 1991. O contrato
natural. RJ, Nova Fronteira.
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