Serão do menino pobre
Ascânio Lopes
Na sala pobre da casa da roça
papai lia os jornais atrasados.
Mamãe cerzia minhas meias rasgadas.
A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
e deixava nas paredes um bordado de sombras.
Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
– desde criança fascinou-me o maravilhoso.
Às vezes, Mamãe parava de costurar
– a vista estava cansada, a luz era fraca,
e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
numa carícia muda e silenciosa.
Quando Mamãe morreu
o serão ficou triste, a sala vazia.
Papai já não lia os jornais
e ficava a olhar-nos silencioso.
A luz do lampião ficou mais fraca
e havia muito mais sombra pelas paredes...
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior.
Fonte: Ruffato, L. 2005. Ascânio Lopes: todos os possíveis caminhos. Cataguases, Instituto Francisca de
Souza Peixoto. Poema publicado em 1927.
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